Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 16, 2007

Brasil: uma economia em mudanças



Artigo - Luiz Carlos Mendonça de Barros
Folha de S. Paulo
16/3/2007

Estamos observando uma verdadeira revolução do lado da oferta de uma gama imensa de produtos

VOLTO A UM tema que tem ocupado com freqüência este espaço de reflexão sobre a nossa economia: vivemos um período incrível de mudanças. Alguns sinais desse processo são visíveis a olho nu; outros só podem ser observados a partir de umaPublish análise mais profunda. Entre os primeiros destaco a incrível força do real, mesmo em períodos de nervosismo nos mercados internacionais como o que estamos vivendo. Citaria também o volume de nossas reservas, as taxas de inflação e a combinação de uma queda expressiva dos juros reais e o alongamento dos prazos dos empréstimos bancários. O brasileiro pode hoje financiar um automóvel em até seis anos e já existe um mercado de títulos públicos com vencimentos além de 2010.
Mas são os dados mais difíceis de serem observados que mostram de forma mais clara a intensidade das mudanças pelas quais estamos passando. Dou o exemplo da questão da inflação. Ela é acompanhada principalmente a partir de índices mais abrangentes, como o IPCA e os IGPs. Para o IPCA, os economistas da Quest Investimentos projetam um aumento, em 2007, da ordem de 3,5%. Ou seja, pelo segundo ano consecutivo, muito abaixo da meta fixada pelo Banco Central.
Mas existem outras informações que são ainda mais ricas para o analista que busca entender o que acontece no campo da formação dos preços de produtos e serviços. As estatísticas sobre vendas ao varejo até janeiro, divulgadas ontem pelo IBGE, são um bom exemplo.
Um trabalho mais sofisticado de pesquisa nos mostra como estão se comportando os preços na ponta do consumidor. Transcrevo ao lado a inflação nos últimos 12 meses para alguns itens mais importantes.
Parece incrível, mas temos deflação, ou seja, quedas nominais de preços, nos setores em que as vendas crescem a taxas elevadíssimas. Por sua vez, há quedas menores ou altas de preços nos setores de menor expansão, como os de vestuário e de alimentos. Nos 12 meses terminados em janeiro, as vendas físicas de automóveis cresceram 14,3 %, as de móveis e eletrodomésticos, 24,1%, e as de produtos alimentícios, bebidas e fumo, 4,9%. Durma-se com um barulho desses.
Como vivemos em um ambiente de preços totalmente livres, é necessário buscar na dinâmica microeconômica as explicações para esse aparente enigma. O que estamos observando é uma verdadeira revolução do lado da OFERTA de uma gama imensa de produtos, tanto no setor de bens de consumo como no de bens intermediários. E essa revolução, lenta e silenciosa, aparece porque o setor produtivo começa a integrar-se de forma racional nas cadeias produtivas mundiais. Por outro lado, começam a ser montadas redes capilares de distribuição de produtos finais, principalmente bens de consumo duráveis.
Por décadas ficamos, na questão da inflação, na dependência do comportamento da demanda interna. Como as importações eram muito reduzidas e instáveis devido às crises externas, o equilíbrio nos mercados ficava na dependência do investimento em novas unidades produtivas. E o processo de investimento é muito lento e dependente de variáveis não-econômicas para funcionar como mecanismo de ajuste no curto e médio prazo.
Agora a situação é outra. Um aumento na demanda interna pode ser rapidamente atendido via crescimento das importações. E a eficiência desse canal de oferta interna ainda vai aumentar muito. É preciso tempo para que a arbitragem entre mercado interno e externo se desenvolva. Como já disse aqui várias vezes, o segredo para isso é a manutenção de uma baixa volatilidade na taxa de câmbio, o que me parece garantido em razão do fluxo de dólares a que estamos assistindo. É nesse ponto -a dinâmica da oferta- que reside minha grande crítica ao Banco Central do Brasil na condução da política monetária.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br

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