Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 23, 2007

Brasil: ainda as mudanças na economia - Luiz Carlos Mendonça de Barros




Folha de S. Paulo
23/3/2007

Uma verdadeira revolução está acontecendo no mercado de crédito e de capitais no Brasil

CONTINUO MINHAS reflexões sobre as mudanças que o analista voltado para as questões da microeconomia no Brasil pode perceber. Escrevo hoje sobre uma verdadeira revolução que está acontecendo no mercado de crédito e de capitais no Brasil. Uso como referencial para essa visita o susto que levei nesta semana ao olhar para os juros dos bônus em reais emitidos pelo Tesouro brasileiro. O título com vencimento em janeiro de 2016, negociado no exterior, rende hoje 9,90% ao ano.
E por que adoto esse preço de mercado como um indicador claro das mudanças que estamos vivendo? Porque, em 40 anos de atividade profissional, eu nunca tinha vivido a conjugação de três fatos realmente extraordinários: um título denominado em nossa moeda e sem um indexador ligado à inflação ou ao dólar, negociado no mercado internacional e com juros de apenas um dígito. Parece um sonho! Mas gostaria de ir mais longe do que simplesmente dividir meu espanto. Quero explorar, com o leitor da Folha, os reflexos que essa situação inusitada trará para nossa economia e para a vida dos brasileiros.
Uma primeira influência positiva que uma curva de juros de longo prazo, denominada em moeda nacional e sem nenhuma proteção contra inflação e flutuação da taxa de câmbio, traz é a de ampliar os horizontes à atividade econômica. Saímos das amarras do overnight e dos prêmios de risco inaceitáveis para as transações de prazo mais longo e a taxas mais próximas das existentes no mundo emergente. A taxa interna de retorno dos investimentos deve se equilibrar, nas novas condições do mercado, em algo próximo a 12% ao ano, liberando novos investimentos na economia.
Um segundo ganho será a viabilização de novos mecanismos de divisão e pulverização de riscos por meio do mercado financeiro futuro. Essa é uma característica inerente às economias modernas e que tem permitido uma redução importante da intensidade das crises em momentos de turbulência. Com uma estrutura a termo de taxas de juros mais consistente, uma série de derivativos financeiros, já testados nos mercados internacionais, vai se desenvolver no Brasil. Com isso a eficiência da economia brasileira terá um aumento significativo via um mercado financeiro mais sólido.
Uma terceira resultante será o aumento da oferta de crédito de prazos mais longos via instituições financeiras privadas e mercado de capitais. Já descrevi neste espaço os efeitos incríveis que a extensão dos prazos de financiamento ao consumo vem trazendo para a atividade econômica. Com taxas de juros nominais abaixo de 10% ao ano, uma nova revolução será iniciada, agora no mercado de crédito de hipotecas, segmento em que estamos ainda na rabeira do mundo em desenvolvimento. E isso vai acontecer sem a necessidade da criação de mecanismos oficiais, fora do mercado privado de crédito, como foi o caso de nossa experiência frustrante com o SFH -Sistema Financeiro da Habitação. A participação do governo deverá ser complementar à do mercado, principalmente nos segmentos de menor renda e na garantia de liquidez na parte mais longa dos empréstimos hipotecários.
Finalmente, com os juros convergindo para o nível das taxas internacionais, vai se acelerar a migração de recursos para investimentos em ações e outros instrumentos do mercado de capitais. As empresas brasileiras serão estimuladas a buscar mais capital próprio com novos sócios privados para financiar os negócios, reduzindo sua dependência ao crédito bancário e à geração própria de caixa. Nesse processo, teremos um ganho de eficiência via regras mais rígidas de governança corporativa em nossas empresas. Isso será possível porque os lançamentos de ações de novas empresas vêm ocorrendo no chamado Novo Mercado da Bovespa, criado ainda no período FHC e que tem regras claras nesse campo.
Não poderia deixar de citar o fato de que o desenvolvimento de uma estrutura a termo de taxas de juros via mercado cria uma camisa-de-força para a condução da política econômica. Ela fica refém da racionalidade embutida na construção da curva de juros e, qualquer desvio significativo em relação a ela, será punida imediatamente. Com isso o risco de aventuras populistas fica muito reduzido.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br

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