O Globo |
16/2/2007 |
Ao pensar na visita de Evo Morales ao Brasil, recordei -me de uma frase do embaixador Antonio Azeredo da Silveira, que foi um grande ministro das Relações Exteriores do Brasil na década de 70. Em um dos comentários que o fizeram famoso pela originalidade e agudeza das imagens que usava, disse Silveira : "Trata-se de um toureirinho de 1 metro e vinte dando um passeio num touro de 800 quilos." Esta é exatamente a situação das relações entre o Brasil e a Bolívia. Pensa-se muitas vezes aqui em nosso país que Morales é um índio ignorante e primitivo. Ignorando a sagacidade de um homem que passou de pastor aimara de lhamas e produtor de folhas de coca a presidente da República, ressaltam-se sua falta de experiência administrativa e o lado folclórico de sua postura. Mas, o que temos visto desde que ele foi eleito, há mais de um ano, é um líder muito hábil em manejar os símbolos de seu povo, preservando assim uma imensa popularidade (as sondagens lhe dão índices incríveis de aprovação) em El Alto e La Paz. Ora, aí está concentrada a maioria urbana dos indígenas aimara e quéchua que, desde o ano 2000, assumiu um protagonismo inédito na vida política boliviana e levou à derrocada das presidências de Gonzalo Sanchez de Lozada e de Carlos Mesa. Quem controla essas duas cidades do Altiplano boliviano, tem o poder nas mãos e não precisa se preocupar muito com o resto do país. É o caso de Evo Morales. Não se deve subestimá-lo. O governo brasileiro talvez não o subestime, mas certamente não interpreta bem o líder boliviano. Quando ele manda o Exército ocupar à força os campos da Petrobras, nosso governo diz que ele tem todo o direito e o trata como algo próximo do carinho. Quando ele sobe o tom das exigências, segue para a Bolívia o embaixador Samuel Guimarães com uma mala cheia de bondades, como se Morales fosse um daqueles índios a quem os portugueses de Pedro Álvares Cabral apaziguavam com espelhinhos e bugigangas. Quando o governo boliviano assinou em dezembro uma novo contrato com a Petrobras, o nosso celebrou a conquista, decretou a felicidade geral e anunciou novos grandes investimentos na Bolívia. É óbvio que, em nenhum dos casos, o toureirinho saiu perdendo. Agora mesmo estamos assistindo ao questionamento do novo contrato pelo qual a Petrobras pagaria menos impostos do que estava pagando na transição. Atualmente, a Bolívia contesta o que tinha sido caracterizado pelo nosso lado, com alguma ingenuidade, como "uma base sólida que nos dá segurança jurídica". Com isso, vai arrecadando mais dinheiro e segue a "faena" que estonteia o touro brasileiro. É verdade que o Brasil não se sente ainda confortável no papel que hoje desempenha de maior parceiro comercial e grande investidor em numerosos países vizinhos. No passado já distante, quando não havia ainda maiores interesses em jogo, o relacionamento com os nossos irmãos sul-americanos já era delicado. O Brasil sempre foi diferente na região pela sua origem monárquica, pela sua forma de alcançar a independência, por sua origem portuguesa, por ter-se mantido unido. Por isso, desde 1870 , valorizamos a diplomacia e o direito internacional como instrumentos virtualmente únicos de relacionamento. O Barão do Rio Branco levou esta política ao seu apogeu definindo para sempre nossas fronteiras. Mas desde que temos grandes apostas econômicas, o jogo se alterou e nós ainda não aprendemos a jogá-lo, pelo menos como governo. Há uma hesitação em defender as legítimas causas de nossas empresas, com receio de parecermos imperialistas. Ora, é obrigação do governo defender seus cidadãos e suas empresas quando estão fora do Brasil e são alvo de arbitrariedades ou injustiças. O que ocorreu na Bolívia é exemplar. Há mais de dois anos, era previsível para quem tivesse um mínimo de informação que uma onda nacionalista acabaria atingindo a Petrobras. O governo brasileiro nada fez para proteger nossa maior empresa. O resultado foi o que se viu. O governo de Evo Morales continua a implementar sua estratégia de enfraquecimento da posição brasileira. Certamente recebe conselhos e recursos do coronel Chávez e de Fidel Castro, de quem é discípulo dileto. Cada vez que a difícil política interna boliviana ameaça complicar-lhe a vida, Evo sai-se com mais um fogo de artifício e nacionaliza alguma coisa. Não tenho dúvidas de que vai tomar as refinarias da Petrobras e talvez mesmo os campos de gás. Seguramente vai usar todos os recursos para pressionar por uma revisão "política" do preço do gás e vai delongar o quanto puder a confirmação do novo contrato com a Petrobras. Com isso, ganha popularidade onde lhe interessa e contribui para o esforço global de Chávez, que é afirmar sua liderança continental enfraquecendo seu maior rival: o presidente do Brasil. Agora, depois de muito negacear e ameaçar com o cancelamento da visita, Evo Morales veio ao Brasil para obter o reajuste do preço do gás. Ora, preço de gás não é assunto para presidentes, nem é matéria para barganhas políticas. É questão comercial que deve ser definida por parâmetros técnicos e de mercado, após negociação entre autoridades competentes. Esperemos que o governo brasileiro continue a deixar este tema à Petrobras, apoiando-a, e resista às novas pressões bolivianas. Esperemos sobretudo que o presidente Lula perceba as verdadeiras dimensões da questão e possa interromper o processo de erosão de nossa posição regional, adotando o tom altaneiro e firme, embora sempre sereno, que se impõe. Se repetir apenas a posição tíbia e inconfortável que exibiu antes com Evo Morales, o Brasil sairá perdendo. E o toureirinho terá conseguido mais um olé. |
Entrevista:O Estado inteligente
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