Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 10, 2007

Perfil Wanderley Nunes

Wanderley, o amigo do rei

Entre cortes e penteados, o cabeleireiro de São Paulo atingiu o ápice do prestígio: entrou na intimidade do presidente Lula


Sandra Brasil


Lailson Santos
Piada de salão: Wanderley e Cida, na sala do apartamento de 700 metros quadrados: são amigos de Lula do tipo que acusa "O senhor está roubando" (num jogo de cartas) e sai impune


Marco Pinto


Desde Maria Antonieta, a rainha da França que levava aonde ia seu caríssimo Léonard, as relações entre poderosos e seus cabeleireiros têm um histórico de intimidade. Um pequeno e divertido episódio ilustra como isso é verdadeiro no caso de Wanderley Nunes, estrela da tesoura-e-escova em São Paulo, com sua cliente Marisa e o marido dela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O caso aconteceu em torno de uma mesa de baralho e quem conta é o próprio Wanderley, como é universalmente conhecido. "Estávamos, os dois casais, jogando mexe-mexe quando a Cida, minha mulher, vira e fala para o presidente: 'O senhor está roubando!'." Lula, relembra ele, levou na esportiva: "Cida, você está chamando o presidente de ladrão?". Ela rebateu de pronto: "É claro. O senhor está mesmo roubando no jogo".

Qualquer pessoa capaz de criar esse nível de proximidade com um presidente – ainda que um presidente informal, porém nada ingênuo, como Lula – está obviamente no topo de uma cobiçada escala de prestígio. Que essa pessoa seja um cabeleireiro, embora altissimamente bem-sucedido, é mais significativo ainda. Alguém duvida? No último dia 2, seu aniversário, Wanderley deu um jantar para cinqüenta pessoas em seu apartamento. Que casal foi praticamente o primeiro a chegar? Lula e Marisa. À vontade, o presidente conversou com todos, cantou Parabéns, deu bolo na boca da mulher, aplaudiu a dupla sertaneja Mateus & Cristiano (Atenda o Celular, composição de Wanderley, ele quis ouvir três vezes) e foi embora às 2 da manhã. "É um privilégio ser amigo e privar da intimidade do presidente da República", diz o cabeleireiro. Por extraordinária coincidência, esse privilégio se encaixa à perfeição numa prática que Wanderley assume abertamente. "O meu alvo sempre foram as pessoas mais referenciadas. Sempre procurei conquistar quem tem mais amizade, mais conhecimento, quem manda mais. Se eu conquistá-lo, os outros seguem", diz sobre a tática de negócios que outros poderiam chamar – mas dificilmente o fazem, para não ficar mal com o amigo do rei – de bajulação extremada.

No caso de Lula, ressalta que seus propósitos são mais elevados. "Quero que as pessoas de quem eu gosto conheçam e passem a admirar o grande homem que é o presidente. Ele é um ser iluminado", derrama-se Wanderley, que se aproximou do casal durante a campanha presidencial de 2002, quando Marisa, por indicação de uma amiga, começou a cortar o cabelo em seu salão, o Studio W. O jantar do dia 2 mostrou quanto essa relação evoluiu. "Vi um presidente desvestido do cargo", conta Marcio Moraes, que apresenta um programa de turismo na RedeTV!. "No meio da nossa conversa, coloquei-o para falar pelo celular com a produtora do programa e ela achou que era trote." Já tarde da noite, Wanderley, imbuído do mesmo propósito congregatório, pegou o telefone e reconvidou um amigo ausente, o humorista Tom Cavalcante – íntimo de notáveis do PSDB e crítico nada sutil de Lula. O presidente em pessoa fez a convocação, com bom humor: "Olha, cara, venha para cá agora. Você anda falando mal de mim". Cavalcante foi, bateu papo e contou piadas. "Acho que ficaram amigos", alegra-se o cabeleireiro. Depois da apresentação de Mateus & Cristiano, gêmeos de 24 anos que ele descobriu e lançou, foi a vez do tour pelo apartamento de 700 metros quadrados e cerca de 5 milhões de reais, decorado em tons sóbrios pelo arquiteto Arthur de Mattos Casas. A moderníssima cozinha, sobretudo, causou furor. "Dona Marisa até abriu a geladeira", relata Wanderley. Por outra extraordinária coincidência, o diretor-geral da fabricante dos eletrodomésticos americanos de ponta que rebrilham no ambiente, Evandro Kherlakian Júnior, também estava presente. Acossado pelas sugestões de Wanderley, ofereceu um fogão ao casal presidencial.


Marco Pinto e arquivo pessoal
Cliente e amiga: Marisa ganha bolo na boca no aniversário e vê Bono cortar o cabelo do cabeleireiro

Não foi essa a primeira vez que Nunes serviu de ponte entre mundos. Quando o U2 veio ao Brasil, há um ano, e Bono Vox quis encontrar Lula, quem arranjou tudo? "Viajei com ele, no avião dele, para Brasília. Almoçamos na Granja do Torto. O presidente ofereceu e Bono provou uma dose de pinga", relata Wanderley. "De brincadeira, ele cortou uma mecha enorme do meu cabelo e depois passou meia hora pedindo desculpas." Nono filho de um barbeiro de Maringá, Paraná, que só concluiu o ensino fundamental, Wanderley conta com o mesmo furor narrativo que sofreu abuso de um vizinho quando criança, chegou a morar seis meses na favela carioca da Rocinha e já fez seis operações plásticas no nariz. Atualmente, comanda quatro salões que empregam 540 pessoas (sessenta cabeleireiros, oitenta manicures) e a cada mês atendem 12.000 clientes, consomem 800 litros de xampu e varrem 1 tonelada de cabelo. Tem uma sócia, Rosangela Barchetta, que fica na administração do negócio, deixando-o livre para cortar, aparecer e, claro, cobrar – são 300 reais por um corte de cabelo, com uma média de trinta pessoas atendidas por dia. Famosos pagam metade – "Se eu não cobrar nada, as pessoas não valorizam", justifica. Costuma se revezar entre oito cabeças ao mesmo tempo.

Muitíssimo bem de vida, o cabeleireiro nos últimos tempos tem diversificado atividades. Declara-se compositor e empresário musical, desenhou uma coleção de jóias, tem uma revista de beleza, está escrevendo um livro de memórias e outro de poemas. "Quer ver como eu crio fácil uma poesia?", perguntou a VEJA. Em cinco minutos, brotou a seguinte homenagem a Lula: "As pessoas que passaram muita necessidade na vida se identificam, e elas brilham. Sabemos que para vencer o único caminho não é sofrer. Existem várias trajetórias. Mas quem venceu já fez a sua história". Wanderley é casado há 23 anos com Cida, 43, maquiadora e "especialista em sobrancelhas", que ensina a Marisa truques de maquiagem. "Ela gosta de batom vermelho. Eu disse que, então, não podia carregar muito na pintura dos olhos", exemplifica. Generoso, Nunes dá dicas de como se aproximar do casal presidencial. "Quer conquistar a dona Marisa? Converse com ela sobre jardinagem. Quer conquistar o presidente? Fale sobre pescaria, futebol e animais", ensina sobre o amigo poderoso, a quem defende com veemência. "Ele é honesto. E é mentira que goste de beber. Quando a gente joga baralho, enquanto eu tomo cinco, seis cervejas, ele só bebe uma ou duas. Se ele toma seis, fica com sono e vai dormir."

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