Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 18, 2007

Os portos ameaçados

A crise financeira das empresas estatais que administram os portos é uma das conseqüências mais dramáticas da legislação trabalhista sobre a economia brasileira. As seguidas vitórias judiciais obtidas pelos trabalhadores, graças a uma legislação ultrapassada e a uma defesa às vezes excessivamente tolerante, colocam em risco as finanças das Companhias Docas, que administram portos em oito Estados, e inviabilizam seus planos de investimentos.

Boa parte de suas receitas é destinada ao pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça do Trabalho ou decorrentes de acordos trabalhistas malfeitos, alguns assinados por administradores escolhidos por critérios político-partidários. Esse problema se soma à incapacidade gerencial do governo e à falta de recursos públicos para tornar ainda mais difícil a recuperação dos portos, cuja precariedade ameaça a expansão do comércio exterior e o crescimento da economia.

Em algumas das Companhias Docas - que administram portos no Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo -, o número de ações trabalhistas supera o de empregados, como mostrou a reportagem de Renée Pereira de segunda-feira no Estado, que comentamos no editorial Leis demais, processos demais publicado ontem. A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), que administra o Porto de Santos, o maior da América Latina, tem cerca de 4 mil processos na Justiça do Trabalho, o triplo do número de funcionários, que são apenas 1.361.

Funcionários que ganharam ações contra a empresa continuam a trabalhar e, quando podem, abrem novos processos, de modo que o número de ações na Justiça do Trabalho não pára de crescer. Até a área jurídica, encarregada de fazer a defesa da Codesp, cria condições para que a empresa seja processada, e derrotada, na Justiça do Trabalho. Foi o que ocorreu no caso - relatado ao Estado pelo diretor-financeiro da Codesp, Mauro Marques - de uma escriturária autorizada pela superintendência jurídica a atuar como advogada e que, mais tarde, abriu uma ação contra a Codesp por desvio de função.

Os advogados deram grande estímulo a esse tipo de comportamento, disseminado entre os funcionários da Codesp, ao mover uma ação contra a empresa reivindicando horas extras. O caso foi resolvido por meio de acordo no valor de R$ 5 milhões. Além disso, os advogados ganharam estabilidade no emprego. As vantagens dadas aos empregados foram tantas que a Controladoria-Geral da União (CGU) considerou o acordo antieconômico e pediu explicações para a Codesp.

Acordos como esse e sentenças da Justiça do Trabalho consomem cerca de 70% da receita mensal da Codesp, diz seu diretor-financeiro. Não sobra dinheiro para investir. A situação é semelhante na Companhia Docas do Rio de Janeiro, cujo passivo trabalhista chega a R$ 300 milhões e compromete os investimentos, mesmo tendo a empresa registrado no ano passado aumento de 70% no faturamento. Das oito Companhias Docas, apenas a do Maranhão está livre de passivos trabalhistas, segundo relatório preparado no ano passado pela Câmara dos Deputados, com base em dados fornecidos pelas próprias empresas.

O diretor do Departamento de Programas de Transportes Aquaviários do Ministério dos Transportes, Paulo de Tarso, diz que, se há tantas reclamações, é porque há um problema de gestão. Por isso, o Ministério vai contratar uma consultoria para avaliar a qualidade da gestão das empresas e sugerir mudanças. Não é preciso tanto para se descobrir qual é a mudança mais urgente no sistema portuário, e em outras áreas do governo: trata-se da utilização de critérios de competência técnica e administrativa para o preenchimento dos cargos de direção. Alguns acordos celebrados pelas Companhias Docas com seus empregados não seriam aceitos se as suas direções estivessem nas mãos de profissionais tecnicamente preparados.

Desde que anunciou há quase três anos uma lista de obras emergenciais em 11 portos, o governo Lula vem dizendo aos administradores dos portos que eles precisam balizar seus projetos de investimentos tendo em vista os próximos dez anos. Mas, por causa da legislação trabalhista, os passivos se acumulam, e fica cada vez mais difícil pensar no futuro.

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