Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 10, 2007

O que querem e para onde vão os tucanos?

Em crise de identidade

Depois de ajudarem o PT a ganhar o comando da
Câmara, os tucanos não sabem qual rumo seguir


Otávio Cabral

Paulo Vitale

"Os parlamentares do PSDB que votaram no candidato do PT na eleição da Câmara maltrataram os 40 milhões de eleitores que votaram no PSDB nas últimas eleições, porque são contra os desmandos dos 'aloprados' e outros que tais."
Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República

Em seus dezenove anos de história, o PSDB percorreu uma trajetória de sucesso: criou uma personalidade própria, atraiu algumas das melhores cabeças da vida brasileira e conquistou dois mandatos presidenciais. Sob seu comando o Brasil recebeu os empuxos modernizantes que, por inércia, impulsionam o país até hoje: a abertura econômica, as privatizações, o controle da inflação e a Lei de Responsabilidade Fiscal. É, portanto, um partido com uma história respeitável e de sucesso, com princípios claros, os quais dezenas de milhões de brasileiros aprovaram no passado e estariam prontos a aprovar de novo se lhes fosse dada a chance de entender seu real alcance. Mas não conte com os tucanos para essa tarefa. O que houve?

Desde a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva para um segundo mandato com 58 milhões de votos, os tucanos têm atravessado uma crise de identidade. O dado mais evidente da confusão interna do partido aconteceu há duas semanas, quando parte da bancada tucana na Câmara dos Deputados despejou seus votos em favor do candidato do PT à presidência da Casa, Arlindo Chinaglia – um gesto inesperado para quem deveria cerrar fileiras na oposição ao governo petista. De lá para cá, o ambiente tucano foi tomado por indagações de fundo. O PSDB, ou parte dele, errou ou acertou ao apoiar um petista? O PSDB acha que deve explorar as possibilidades de trilhar um caminho comum com o PT? O PSDB deve fazer uma oposição dura ou suave ao governo? Na semana passada, VEJA ouviu as principais lideranças tucanas sobre tais questões – e constatou que não existe consenso sobre quase nada.

Roberto Jayme/AE

"O PSDB tem obrigação de tornar mais claras suas posições e seus projetos para o país."
Senador Tasso Jereissati, presidente do PSDB

O ex-líder da bancada tucana na Câmara, Jutahy Junior, acha que a decisão de alguns tucanos de apoiar Chinaglia estava corretíssima. O governador de São Paulo, José Serra, também não enxergou erro nessa decisão – embora faça questão de dizer que não arrebanhou um único voto para Chinaglia. O deputado José Aníbal, que já presidiu o partido, pensa o contrário. Acha que o apoio ao petista foi um "equívoco clamoroso", uma posição semelhante à defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "Os parlamentares do PSDB que apoiaram o candidato do PT maltrataram os 40 milhões de eleitores que votaram no PSDB nas últimas eleições, porque são contra os desmandos dos aloprados e outros que tais", afirma o ex-presidente. Sobre a qualidade da oposição ao governo Lula, também há divergências. O senador Arthur Virgílio, líder da bancada tucana, acha que a oposição precisa ser firme, mas racional, tal como a governadora gaúcha, Yeda Crusius. O deputado Antonio Carlos Pannunzio, líder tucano na Câmara, defende uma postura diferente: "Calejado pelos quatro anos do primeiro mandato do PT, o PSDB deve exercer uma oposição mais forte, mais aguerrida".

Ed Ferreira/AE

"Os deputados do PSDB que ajudaram a eleger Chinaglia, como eu, acertaram. Politicamente, ele era o melhor candidato para o partido."
Deputado Jutahy Junior, ex-líder do PSDB na Câmara

"O PSDB hoje é um partido complexo", analisa o senador Tasso Jereissati, presidente da sigla. "Não é como em 1994, quando havia seis cardeais que se reuniam e resolviam tudo. Com essa complexidade, e com as duas derrotas nas eleições presidenciais, passamos a impressão de um partido rachado." Na semana passada, com o objetivo de reencontrar o rumo e polir a imagem do partido, Jereissati anunciou a convocação de uma convenção partidária para o mês de julho, e já criou três grupos de trabalho. Um deles, que contará com a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, vai se encarregar de elaborar um novo programa partidário.

Rafael Neddermeyer/AE

"Desde que deixou o governo, em 2002, o PSDB dá mostras de inconsistência programática."
Deputado Paulo Renato Souza, ministro da Educação no governo FHC

O deputado Paulo Renato Souza, ex-ministro da Educação, tem o diagnóstico correto do fenômeno do achacadiço tucano. Ele situa a semente do problema nas duas eleições presidenciais, nas quais concorreram José Serra, primeiro, e Geraldo Alckmin, depois. "Os dois candidatos à Presidência da República não defenderam o que fizemos, não se orgulharam de nossas bandeiras, preferiram se afastar do legado de Fernando Henrique. Se nós não sabemos nos defender, como exigir que o eleitorado nos apóie?" Traduzindo o tucanês do deputado: o PSDB está com vergonha de ter aberto a economia e feito privatizações, não acha que seja avanço ter aprovado a Lei de Responsabilidade Fiscal e não se orgulha da autoria do golpe de morte que debelou o mais cruel imposto sobre os pobres, a inflação. Mais um pouco de vacilo e logo teremos petistas contando como Lula e o PT fizeram o Plano Real contra feroz resistência de FHC e do PSDB. Sempre perde quem subestima a capacidade dos vencedores de reescrever a história.

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