Ratan Tata, dono de peculiar megaempresa familiar,
é o símbolo da expansão global da Índia
Duda Teixeira
Sajjad Hussain/AFP | ||
Ratan Tata no lançamento de um carro de sua empresa: ambição global | ||
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O capitalismo se internacionalizou no século XX em boa parte com a compra de empresas de países em desenvolvimento por companhias européias e americanas. Na ordem econômica deste novo século, ocorre o movimento inverso. Na semana passada, a indiana Tata Steel venceu o leilão internacional e arrematou por 12 bilhões de dólares a Corus, uma tradicional siderúrgica anglo-holandesa. A disputa foi com a brasileira Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que saiu frustrada do leilão. O negócio, que coloca a Tata Steel como a quinta maior siderúrgica do mundo, é mais um de uma série de lances ousados dessa peculiaríssima empresa familiar. Nos últimos seis anos, a Tata comprou a Tetley Tea inglesa, a coreana Daewoo Veículos Comerciais, a companhia americana de telecomunicações Tyco Global, uma siderúrgica de Cingapura, um hotel em Nova York e até tem uma empresa de software no Brasil, a Tata Consultancy Services (TCS). A vitória no leilão foi a maior operação já feita por uma companhia indiana no exterior. "A Tata tem agora escala global", festejou Ratan Tata, o presidente da empresa. Aos 69 anos, Tata é um símbolo da expansão global da Índia, embora faça parte de uma minoria religiosa inexpressiva, os parses, seguidores do zoroastrismo, que não passam de 70.000 pessoas em um país com mais de 1 bilhão.
O grupo Tata fatura 22 bilhões de dólares por ano, o que representa 2,8% do produto interno indiano. De certa forma, é a locomotiva que puxou o crescimento econômico indiano de 8,2% no ano passado. Jamsetji Tata, fundador do grupo em 1868, foi pioneiro em várias áreas da economia. Construiu a primeira siderúrgica, a primeira usina hidrelétrica e as primeiras fábricas de tecido e de cimento. Um de seus sucessores, Jehangir Tata, montou fábricas de motores, um banco e uma companhia aérea. Ratan Tata assumiu a presidência da empresa em 1991, quando a economia da Índia se abria ao mundo e começava o processo de privatização de estatais. Naquele tempo, o grupo patinava em crise financeira, com várias unidades no vermelho. Ratan reverteu completamente o cenário, multiplicando o faturamento da organização por sete.
Seus métodos foram duros para os padrões paternalistas do capitalismo que predominava na Índia. Ele demitiu sem dó empregados em indústrias deficitárias, estimulou seus comandados a expandir negócios no exterior e impôs metas ambiciosas. Uma de suas idéias de sucesso foi desenvolver produtos para os indianos pobres (a renda per capita indiana é de 3.000 dólares anuais, metade da chinesa). Um dos produtos mais bem-sucedidos foi o caminhão Ace. Com apenas 700 cilindradas e preço de 5.000 dólares, hoje responde por dois terços do mercado. Dentro de dois anos, a Tata pretende lançar um carro de 2.000 dólares. O veículo, forte candidato a ser o mais barato do planeta, foi projetado pelo próprio Ratan.
A forma de comercialização também será revolucionária. Os automóveis serão vendidos desmontados, em forma de kits, a pequenas empresas em áreas rurais. Caberá a elas a montagem final, o que deve gerar empregos e renda até nos grotões do subcontinente. "Ratan tem um grande talento para entender as peculiaridades de um grupo extremamente complexo, que possui de usinas hidrelétricas a fábricas de chá, e conduz tudo isso de maneira extremamente simples e coloquial", diz Sérgio Rodrigues, presidente da TCS. Uma característica do grupo é a ênfase na filantropia. Mais de 60% do capital da Tata Sons – nome da holding que controla 96 empresas – está nas mãos de onze instituições de caridade. Em um país com 300 milhões de miseráveis, elas mantêm hospitais, ajudam comunidades agrícolas e oferecem pequenos financiamentos a juros baixos.
Entre os indianos, Ratan Tata foi eleito uma das personalidades mais queridas, à frente até das celebridades de Bollywood, a meca do cinema indiano. Em grande parte, essa popularidade decorre de sua humildade. O executivo conversa com funcionários na linha de produção e com diretores de outras companhias sem mudar o tom de voz. Seu estilo pessoal chama atenção pelos contrastes. Apesar de conduzir negócios bilionários e possuir uma fortuna pessoal estimada em 300 milhões de dólares, Ratan não ostenta sua riqueza. Solteiro, vive com dois cachorros em um apartamento na populosa Mumbai, de 13 milhões de habitantes. Tímido e introspectivo, pessoalmente em nada lembra a agressiva expansão mundial do grupo. Para os indianos, essas características contraditórias já fazem parte da rotina. Agora é a vez de o mundo se adaptar a elas.
UMA PRÓSPERA MINORIA
Os controladores da Tata Steel são membros de uma minoria religiosa de apenas 70 000 fiéis num país com mais de 1 bilhão de habitantes. Seguidores do zoroastrismo, religião predominante na Pérsia até a conquista muçulmana, eles fugiram no século X para escapar às perseguições islâmicas. Quando os ingleses se instalaram na Índia, no século XVII, os parses se mostraram mais receptivos à influência européia que os hindus e os muçulmanos. A partir do século seguinte, investiram na indústria e no comércio. Em 1850, já tinham feito fortuna na indústria pesada, especialmente com ferrovias e estaleiros.