Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Míriam Leitão - Novas contas


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
14/2/2007

O IBGE vai mudar o cálculo do PIB e fará uma nova POF (Pesquisa de Orçamento Familiar) este ano, introduzindo um sistema de atualização contínua da pesquisa sobre o consumo das famílias brasileiras. Isso pode até mudar o dado do crescimento do PIB em anos anteriores, segundo especialistas do mercado. As mudanças, na pesquisa do consumo e no cálculo do PIB, são para melhorar a qualidade dos índices.

A decisão do IBGE já estava tomada antes, mas é interessante que ela ocorra num momento em que se discute a discrepância que existe entre renda e consumo no Brasil. Pela renda, um país que tem tido um crescimento pífio há duas décadas; pelo consumo, um salto após a abertura e a estabilização.

No domingo, publiquei na coluna o estudo de dois economistas brasileiros, que trabalham no FMI, mostrando a diferença entre renda e consumo no país. Eles acham que houve uma forte subestimação da renda no Brasil após a abertura e a estabilização. As mudanças estruturais da década das reformas não teriam sido captadas pelo índice de preços, e isso produziu essa subestimação da renda familiar. Eles calculam que, em vez de ter crescido 1,5% ao ano, teria crescido 4,5%; três vezes mais.

No IBGE, a diretora de pesquisas, Wasmália Bivar, diz que "o consumo dos pobres é maior que a renda", e que isso foi detectado na última pesquisa. Ela acredita que pode ter havido alguma subestimação, mas não concorda com o tamanho da diferença encontrada pelos economistas:

- Admito que possa haver um viés de alta na inflação, mas a magnitude do viés não pode ser essa. Acho que está superestimada.

O economista José Márcio Camargo também acha muito alta a diferença. Ele concorda, no entanto, que houve uma forte mudança de preços relativos.

O debate é interessante: os economistas Irineu de Carvalho Filho e Marcos Chamon dizem que, se a inflação foi superestimada, logo a renda real (descontada a inflação) foi subestimada.

A diretora do IBGE discorda do estudo, mas diz que tem ficado claro nas pesquisas de consumo, como a última POF, que os pobres têm mais consumo que renda declarada.

- O que achamos é que um bem adquirido, uma geladeira, por exemplo, é lembrado. Mas a família não lembra as estratégias de sobrevivência e de obtenção de renda que adotaram para pagar por aquele bem, seja o crédito, seja o trabalho extra que exerceram - afirma Wasmália.

Uma das fórmulas que o IBGE vai adotar para aperfeiçoar a qualidade das suas estatísticas de consumo e apuração de preços é uma POF contínua. Na POF, o pesquisador vai ao domicílio e acompanha cada gasto para construir a estrutura de ponderação de cada item no orçamento familiar. Com base nessas ponderações é que se fazem os índices de preços. A pesquisa contínua permitirá mais agilidade em todos os novos fenômenos da economia que afetam a capacidade de compra das famílias, como a entrada de novos produtos, aumento da competição, mudança de preços relativos.

José Márcio Camargo diz que pode haver, sim, uma subestimação do aumento da renda brasileira a partir das reformas dos anos 90:

- Alimentos e bens de consumo duráveis ficaram mais baratos, em grande parte, por causa do dólar baixo, e isso beneficiou os pobres. Estamos vendo, agora, de novo, o mesmo fenômeno. O que subiu, na época, foram os preços dos serviços.

Independentemente de estarem certos os economistas que escreveram o estudo "O mito da estagnação da renda no Brasil pós-reforma", muita coisa começa a mudar este ano no IBGE.

A primeira mudança será em março. No dia 28 de fevereiro, o IBGE divulga o PIB do ano passado na metodologia antiga; um mês depois, divulga o PIB, na nova metodologia, de 2000 a 2006. Há dificuldades, por exemplo, explica o professor Luiz Roberto Cunha, com o cálculo do crescimento do governo.

- O crescimento da educação se faz pelo número de matrículas; o da saúde, pelo número de atendimentos, mas o resto se infere pelo crescimento demográfico, que está caindo.

Quanto à pesquisa de consumo passar a ser contínua, será mais fácil acompanhar a rapidez das mudanças. A última pesquisa feita sobre consumo das famílias só em agosto do ano passado foi incorporada ao índice de preços.

- Quer dizer, celular teve um aumento de 500% na ponderação no índice porque o último registro tinha sido feito com base em dados de 95/96; TV a cabo teve um aumento de ponderação de 1.900% - diz Luiz Roberto Cunha.

A estrutura de ponderação é o retrato do peso de cada produto no orçamento doméstico, e é com base nele que se calcula a inflação.

O assunto ainda será muito discutido este ano, certamente, ao longo das revisões das contas nacionais. O IBGE está melhorando a qualidade dos indicadores. O alerta de Chamon e Irineu Carvalho continuará provocando debates também. Será que os cálculos de renda e PIB foram subestimados? Seja como for, o Brasil ainda tem muito o que discutir para compatibilizar sua renda com seu consumo. Só para citar dois exemplos: antes da privatização, existiam no Brasil menos de um milhão de celulares; hoje são 100 milhões. Desde o Plano Real, pelos dados da ACNielsen, o número de fraldas descartáveis consumidas anualmente pulou 1.300%. Os dados de consumo de vários produtos não são os de um país com a renda estagnada há tantos anos.

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