O ideal seria que o PT se reunisse neste aniversário em torno do dilema “passar a limpo ou passar a borracha”. E, evidentemente, que ganhasse o primeiro lema. Mas o que parecia ser o conflito que dividia Tarso Genro-José Dirceu foi abandonado pela velha briga intestina de poder entre as várias tendências do partido governante.
A uni-los, unicamente, o ataque ao Banco Central.
Eles só não disseram ainda o que deve ser feito.
Os economistas José Júlio Senna e Luiz Fernando Figueiredo, que já estiveram em diretorias do Banco Central, acham que não há muito o que o BC possa fazer neste momento. Entrevisteios no programa da Globonews.
Figueiredo acha, inclusive, que a discussão está deslocada no tempo: — Se fosse há um ano, um ano e meio atrás, faria sentido, mas agora? Os juros já caíram de 19,75% para 13%, e o câmbio continuou caindo.
Mikal Gartenkraut, da Rosenberg & Associados, acha que há, sim, o que o governo possa fazer. Propõe que haja um imposto temporário de exportação sobre os produtores de commodities que tiveram, nos últimos um ou dois anos, um aumento extraordinário dos seus preços: — Isso propiciaria uma diminuição da pressão decorrente do excesso de entrada de dólares. Ao mesmo tempo, a arrecadação poderia fornecer um funding adicional para fortalecer o programa de apoio à exportação (por exemplo, o do BNDES), mantendo os recursos gerados dentro do próprio setor.
Mikal diz que a medida é “instrumento tradicional” de política econômica, com experiência em vários países e, por isso, “surpreende que nossas autoridades estejam demorando tanto a acionála”.
Afirmou ainda que, para evitar a excessiva carga tributária, poderia haver uma redução seletiva dos tributos federais sobre a importação, para diminuir o excesso de dólares no mercado.
Ele fez esses comentários após ouvir, na Globonews, tanto Figueiredo quanto Senna sustentarem que não há muito o que se possa fazer num câmbio flutuante.
— Dólar abaixo de R$ 2,10 significa adeus a um crescimento mais vigoroso que o dos últimos anos. Acho que há hoje virtual consenso de que o atual patamar está bem longe do equilíbrio — disse Mikal.
Na opinião dele, vai acontecer uma substituição por produtos importados de tudo que for possível, e isso, lembra, “é um filme que vimos e de que não gostamos”.
O ex-diretor de política monetária do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, que enfrentou a pressão cambial do final do governo Fernando Henrique, acha que há outros fatores, que não os juros, para a queda do dólar: — Desde 2005, houve aumento de 40% no preço dos itens exportados pelo Brasil.
Isso significa que o país está recebendo 40% a mais, mesmo que a taxa de câmbio permaneça a mesma.
Aumenta o fluxo. E não são apenas commodities, alguns produtos industriais subiram preço também.
Figueiredo sustenta que, atualmente, há entrada apenas marginal de capital financeiro.
A mais importante parcela das entradas é dos dólares do comércio e de investimento direto.
José Júlio Senna defende que a entrada desse capital é fruto de um acerto: a grande melhoria dos indicadores externos do Brasil. Ele não acredita em qualquer medida que não a de esperar que o câmbio flutuante faça seu trabalho.
— Nenhum país consegue conter o câmbio. Não há o que fazer. Empresário tem que brigar por outras coisas, como queda dos tributos, melhoria da infra-estrutura, em vez de brigar pelo câmbio — diz.
Mikal discorda totalmente da visão de que nada há para fazer: — Esperar pelo ajuste natural do mercado não é sustentável.
Rezar para que a economia mundial entre em crise, além de ineficaz, não pode estar certo. Aguardar os efeitos das pequenas reduções previstas nos nossos juros ou das compras de reservas, também não.
Há quem proponha o artificialismo do controle de capitais, mas a experiência internacional do uso desse instrumento não é uma boa, também não é por aí.
José Júlio Senna acha que é injusta a crítica ao Banco Central pelo custo do acúmulo de reservas; já Figueiredo acredita que o benefício de continuar acumulando reservas é cada vez menor daqui para a frente.
— O volume hoje é ótimo; o que nós achávamos bom tempos atrás é metade do que está aí — ressalta ele.
O câmbio será sempre polêmico; sempre foi. Na maioria das vezes no Brasil, era pelo problema oposto — a valorização excessiva do dólar.
Hoje, importadores têm grandes benefícios; exportadores estariam perdendo dinheiro.
Mas em muitos casos não estão, tanto que a exportação continua aumentando.
Em parte, porque os exportadores, em muitos casos, são também importadores. E porque os preços dos produtos exportados pelo Brasil subiram. Os que criticam o BC estão certos quando mostram números comprovando que a moeda brasileira, diante do dólar, tem se apreciado mais que outras moedas.
Seja esperar os ajustes naturais da queda dos juros e do aumento das importações; seja introduzir medida já usada no passado — utilizada atualmente na Argentina — como um imposto na exportação, nada terá resposta rápida.
A sensação de urgência em torno do câmbio só aconteceu porque caiu abaixo de R$ 2,10 no momento de escolha do Ministério, com luta interna no PT e luta do PT na base para aumentar seu poder no governo.
Muita coisa misturada. Além do mais, essa briga é muito útil a quem, neste aniversário festivo, prefere que não se discutam os problemas reais, os graves desvios éticos do PT. É mais fácil fazer o de sempre: achar um culpado “para tudo isso que está aí”.
Entrevista:O Estado inteligente
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