Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 03, 2006

Aeroporto de filme


Artigo - MARIA INÊS DOLCI
Folha de S. Paulo
3/11/2006

O FILME "Aeroporto", de 1970, abriu o rico filão conhecido como cinema-catástrofe. Vocês se lembram do roteiro? Em meio à ameaça de um psicopata de explodir um avião, seu piloto tenta um pouso forçado, enquanto os controladores de vôo buscam manter o aeroporto funcionando, mesmo com uma nevasca. Por que me lembrei desse filme? Porque, embora não tenhamos ameaça de uma explosão terrorista, estamos na iminência de uma completa explosão, no sentido figurado, do transporte aéreo no Brasil.
Os subsídios para este triste roteiro começaram há alguns anos, quando a Varig, então orgulho da aviação brasileira, começou a fazer água. Continuaram com o desvio das verbas para segurança aérea, a partir de 2003, já sob o domínio do "nunca ninguém jamais". Refiro-me aos R$ 286,5 milhões efetivamente empregados no programa de proteção ao vôo até agora, dos R$ 531,7 milhões previstos para este ano.
A não ser que o governo Lula gaste os R$ 245,2 milhões em menos de 60 dias, terá tungado uma montanha de dinheiro do Fundo Aeronáutico, formado por tarifas cobradas nos embarques e nas taxas aeroportuárias, e que acumulava, segundo esta Folha, em matéria publicada ontem, R$ 1,9 bilhão. E essa tunga, em menor escala, ocorreu de 2002 para cá.
Respeito ao passageiro, e a todos os interessados no transporte aéreo, é o que mais está faltando nestes dias de atrasos e cancelamentos de vôos nos aeroportos brasileiros. Quem está sofrendo com os transtornos se sente desamparado, por não ver resultados imediatos nas medidas adotadas para reverter o caos em que se transformaram os saguões dos aeroportos. O Código de Defesa do Consumidor garante o direito à informação sobre os serviços prestados, mas não é o que se vê nesse caso.
Se o consumidor tivesse informação prévia da empresa aérea sobre o atraso dos vôos, por exemplo, poderia adiar o deslocamento desnecessário até o aeroporto, evitando o desconforto da longa espera. O colapso no sistema de controle aéreo, agora às claras, mostra o risco que estávamos correndo, sem saber. Pior é que as medidas anunciadas pelo governo parecem improvisação e não tranqüilizam quanto à segurança dos vôos.
Lembram, em verdade, o que foi feito no apagar das luzes desse mandato presidencial, com as ridículas condições das rodovias brasileiras. Teremos, agora, com o cheque em branco da reeleição já assinado, uma espécie de "tapa-buracos aeroportuário". E, obviamente, muito mais do mesmo, devido ao tal cheque em branco!
Enquanto isso, o passageiro que aguarda para embarcar fica sem saber as reais causas dos atrasos dos vôos. Recomendo aos passageiros procurarem os balcões das empresas aéreas nos aeroportos para reclamar, em função da responsabilidade solidária. Ou seja: ainda que a culpa não seja exclusivamente das empresas, elas venderam os bilhetes aéreos; logo, respondem primeiramente por eles, conforme o Código de Defesa do Consumidor.
Em seguida, podem recorrer à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), embora esta em muito se assemelhe às outras agências reguladoras, pelo desprezo com que trata os cidadãos que recorrem aos seus serviços.
Além disso, quem se sentir prejudicado deve se documentar sobre os prejuízos sofridos com os atrasos, caso deseje acionar o Juizado Especial Cível para ressarcimento por perdas e danos. Podem ser acionadas a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), a Anac e as companhias aéreas.
Compreendo e sou solidária com a situação dos controladores aéreos, que reivindicam menor carga de trabalho para não comprometer a segurança. Mais do que isso, considero um abuso seus salários, quando comparados à responsabilidade que têm com nossas vidas.
Fui informada de que no Aeroporto Santos Dumont, no Rio, nem o elevador funciona, obrigando os controladores a subirem os 300 degraus das escadas. É essa gestão lastimável, incompetente, que compromete a segurança e a tranqüilidade de quem utiliza aviões como meio de transporte.
Os controladores de vôo alegam que, às vésperas de feriados, como neste de Finados, chegam a monitorar 20 vôos, mais do que o limite por profissional estipulado pelo manual operacional da Aeronáutica. Preservar a segurança dos passageiros é fundamental para evitar acidentes, como o ocorrido com avião da Gol, há um mês, que vitimou 154 pessoas.
Apesar disso, também me solidarizo com os mais prejudicados, os passageiros, dentre os quais me incluo, que não poderíamos ser penalizados por essa queda-de-braço somada à incompetência atávica dos responsáveis.
Por ora, a quem vai viajar de avião nesses períodos recomendo se munir de muita paciência, para evitar aborrecimentos. Tente fazer contato com a empresa aérea antes de sair de casa, para saber sobre atrasos, esperas e cancelamentos. Caso tenha prejuízos com o atraso do vôo, o prazo para recorrer à Justiça é de até um ano, contado a partir da data do vôo. É necessário provar que houve o atraso superior a quatro horas, o que é possível com a própria passagem e informações sobre o horário em que o vôo atrasado de fato ocorreu.
O passageiro não deve aceitar o dano passivamente, já que paga altas taxas de embarque, e as passagens são caras. Afinal, as tarifas aeroportuárias são pagas por clientes e companhias aéreas.
Na impossibilidade de acordo diretamente com a companhia aérea, o passageiro deve procurar os órgãos de defesa do consumidor e, se necessário, entrar na Justiça. Como a maioria das ações desse tipo se restringe a 40 salários mínimos, é possível ingressar nos Juizados Especiais Cíveis, onde o processo costuma ser mais rápido que na Justiça comum.
Quem perdeu compromissos em outra cidade, com conseqüentes prejuízos financeiros ou a negócios, por conta da onda de atrasos de vôos em todo o país, terá dificuldades em achar o responsável para pedir indenização. Há um jogo de empurra. Ninguém assume sua responsabilidade nesses casos.
Algo, porém, é óbvio, exceto para os que apóiam incondicionalmente o governo atual: quem controla o setor aéreo deve responder por essas falhas. Por mais que as empresas possam ser questionadas sobre procedimentos do dia-a-dia, elas não controlam o tráfego aéreo, nem os aeroportos.
Só respondem pela segurança de suas aeronaves e tripulações, não por rotas, superlotação de aeroportos, falta de investimento em segurança. Quem investiu menos do que deveria foi o governo. O consumidor deve reclamar nas companhias aéreas, pois foi lá que comprou seu bilhete, mas deve saber quem causou esse caos.
Não há dúvidas de que as medidas para reduzir os danos, por enquanto, não surtiram efeito. Com essa crise, o brasileiro precisa pensar duas vezes antes de marcar uma viagem aérea. Vimos, neste feriado, que a situação pode ser ainda mais crítica.

http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br

Arquivo do blog