Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 03, 2006

Bono Vox está certo João Mellão Neto

OESP


O irlandês Bono Vox, para quem não conhece, é o líder da melhor banda de rock do momento, o U2, que esteve nestes dias no Brasil. Bono é diferente dos demais roqueiros. Ele tem idéias e convicções políticas e se devota a elas com igual afinco ao que dedica à música. Dá para levá-lo a sério?

Dá. Por maior que seja o preconceito que as elites esclarecidas têm em relação ao discernimento dos superastros em geral, o fato é que Bono é um caso especial. Ele é recebido com respeito e reverência pelos chefes de Estado de todos os países que visita. Ele tem o que dizer, e não se trata de trivialidades ou lugares-comuns. Ele faz sucesso em Davos, por exemplo. E não é cantando que ele conquista a austera platéia do Fórum Econômico Mundial. Bono é um ativista político. E, como tal, um dos mais respeitados da atualidade. Ele se vale de sua imensa popularidade para divulgar os seus ideais. E estes não são frívolos nem sequer utópicos.

É uma pena que a mídia brasileira, com poucas exceções, quase nenhuma atenção dedicou às idéias políticas de Bono Vox. Preferiu dar destaque à sua música e às eventuais excentricidades e extravagâncias tão comuns em estrelas do rock. Se algum órgão de imprensa houvesse se disposto a entrevistá-lo (a sério) sobre temas políticos, seus leitores teriam ficado surpresos com a propriedade e o conhecimento de causa que Bono possui. O vocalista do U2 é um discípulo aplicado e dileto do economista Jeffrey Sachs. E Sachs, por sua vez, é considerado pela revista Time como uma das cem pessoas mais influentes do mundo.

Jeffrey Sachs lançou, no ano passado, um livro brilhante e esclarecedor prefaciado por Bono Vox. Seu título é O Fim da Pobreza, já traduzido e publicado no Brasil. Para quem ainda acha que lugar de roqueiro é no palco, que deixe de lado as pregações de Bono e trate de ler os muito bem fundamentados argumentos de Sachs. Os mesmos, aliás, que o cantor defende.

A tese principal de sua obra é a de que é possível acabar com a miséria no mundo até o ano de 2025. Daqui a pouco menos do que duas décadas.

Não, não se trata de mais uma dessas utópicas palavras de ordem, lançadas por esquerdistas inconseqüentes em ambientes delirantes como o Fórum Social Mundial. Sachs possui uma respeitável biografia a zelar. Muitos dos economistas e gestores do FMI e do Banco Mundial foram seus alunos em Harvard. Coube a ele idealizar e conduzir a bem-sucedida transição da Polônia do socialismo para a economia de mercado. Foi, também, um dos principais consultores de que se valeram países díspares como a Índia e a Rússia em seu processo de abertura econômica. Ligado, atualmente, à Universidade de Colúmbia, ele é, na comunidade acadêmica dos EUA, unanimemente exaltado como um dos economistas mais brilhantes de sua geração.

Feitas as devidas apresentações, adentremos no mérito de sua tese.

A História nos ensina que a humanidade só se coloca problemas quando já está apta a resolvê-los. Falar em fim da miséria, duas gerações atrás, não fazia sentido, uma vez que metade da população mundial era miserável. Pregar o fim da miséria, uma geração atrás, era utópico, já que um terço da humanidade era miserável. Propor o fim da miséria na geração atual é algo viável, já que os miseráveis se reduziram apenas a um quinto dos habitantes do planeta. O mundo de hoje - pela primeira vez em toda a História - possui recursos econômicos, capacidade administrativa e tecnologia adequada em volume suficiente para acabar de vez com os bolsões de miséria ainda existentes. O que falta, portanto, é vontade política para fazê-lo. Não se trata de caridade ou assistencialismo. Não se pretende, aqui, dar dinheiro aos pobres para torná-los ricos. O que se propõe, apenas, é que se dê uma ajuda eficiente que lhes permita se ajudarem.

Dos cerca de 6 bilhões de humanos, 1 bilhão já chegou ao topo da escada econômica e quase 4 bilhões já lograram galgar ao menos os seus degraus mais baixos. Resta cerca de 1,4 bilhão. Estes não têm condições, por si próprios, de alcançar nem sequer o primeiro degrau.

O fenômeno recente da globalização econômica - ao contrário do que afirmam os zangados ativistas do Fórum Social - logrou fazer verdadeiros milagres. A possibilidade de inserção no comércio mundial tirou da miséria muitas centenas de milhões de pessoas, em especial na Ásia. Até mesmo nações que eram o símbolo da miséria duas décadas atrás, como Bangladesh e Vietnã, hoje possuem perspectivas reais de prosperar.

O problema está, na verdade, nos países que, por razões diversas, jamais serão alcançados pela globalização. São povos desnutridos, devastados por doenças como a aids e a malária, cujos Estados não possuem os mínimos recursos para resolver as suas deficiências.

Em diversos fóruns internacionais, as nações desenvolvidas já se comprometeram a direcionar 0,7% de seus PIBs, durante dez anos, para as Metas de Desenvolvimento do Milênio, um programa bem articulado e concreto elaborado pela ONU. O que Sachs e Bono pleiteiam é tão-somente que estas nações cumpram o que prometeram. Vale a pena ler o livro de Sachs. Seus argumentos são brilhantes e muito bem fundamentados. Vale a pena, também, ouvir as palavras de Bono Vox . Não são pregações inconseqüentes ou triviais, nem ele se presta à demagogia fácil tão comum nas causas quixotescas que os artistas costumam defender.

As Metas do Milênio não serão alcançadas se não houver lideranças como Bono - e ele, incontestavelmente, é um líder entre os jovens - para mobilizar a opinião pública no sentido de sensibilizar e pressionar os governantes das nações ricas para que cumpram a sua parte. Este é um papel histórico do qual nossa geração não pode se dar ao luxo de se eximir.

Apreciemos as belas músicas cantadas por Bono. Mas - principalmente - ouçamos, também, o que ele tem a dizer.

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