Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 02, 2006

LUÍS NASSIF Os 20 anos do Cruzado

FOLHA
Os prejuízos que o Plano Cruzado trouxe ao país vão muito além dos dez anos que adiaram a estabilização da economia -como pretende sugerir Edmar Bacha, um dos "pais" dos dois planos, em entrevista a Guilherme Barros, na Folha, em recordação dos 20 anos do plano.
O mal maior foi ter introduzido no imaginário nacional a noção de que seria possível resolver os problemas nacionais com passes de mágica.
Nos dois períodos em que os economistas do Cruzado assumiram as rédeas da política econômica (o segundo foi com o Real), esfrangalharam as contas públicas, as contas externas, atropelaram (especialmente no Cruzado) a segurança jurídica e paralisaram reformas econômicas.
O grupo jamais conseguiu avançar propostas além do fim da inflação inercial. No caso do Cruzado, por exemplo, não se sabia o dia seguinte à desindexação. Não se avaliou o aumento do poder aquisitivo, com o fim da inflação inercial, o aumento de demanda daí decorrente e a ausência de uma política de importações azeitada (o país saía de uma moratória), fundamental para combater movimentos especulativos e desabastecimento.
Não se avaliou sequer o efeito psicológico da queda do rendimento nominal das aplicações, que provocou uma onda de saques de poupança para consumo.
Do Plano Austral, da Argentina, copiaram os princípios básicos de conversão de contratos, com as tablitas, mas não tinham conhecimento aprofundado sobre a natureza dos contratos internos brasileiros.
Resultaram disso regras de conversão para financiamentos habitacionais que praticamente quebraram o Sistema Financeiro da Habitação; regras para conversão de planos de previdência aberta que impingiram prejuízos colossais aos usuários.
Criaram esqueletos que perduram até hoje, atropelaram a segurança jurídica do país de uma maneira que nem as moratórias (porque inevitáveis) conseguiram, arrebentaram duas vezes com as contas externas brasileiras, jogando fora anos de luta geral para obter o seu equilíbrio.
O pior do Cruzado não foram os erros cometidos. Foram as lições não assimiladas e, pior, a mitificação dos planos econômicos, a idéia de que ele falhou devido à falta de vontade dos políticos, e não a erros de concepção.
Criou-se a lenda de que foi a falta de vontade do presidente da República José Sarney, na famosa reunião de Carajás, que impediu a adoção das medidas salvadoras do Cruzado. Hoje se sabe que os economistas nem sequer tinham chegado a um consenso entre si sobre as medidas a serem tomadas.
Essa mitificação lhes conferiu a segunda chance, com o Plano Real. Mas, àquela altura, o governo Collor já havia criado as condições necessárias para o plano ser bem-sucedido.
Obtiveram a estabilidade, mas à custa da criação de passivos públicos gigantescos, da volta dos desequilíbrios externos, em função de uma apreciação do Real do qual o maior defensor foi Edmar Bacha -e que nunca foi suficientemente explicada nas entrevistas e artigos por eles escritos.
Para muitos, foi um erro intencional para transformar o dólar em ativo escasso, permitindo assim o enriquecimento fácil por meio dos mecanismos de arbitragem.

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