Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 03, 2005

ZUENIR VENTURA Entre Nova Iguaçu e NY

O GLOBO


Ao contrário de sua colega de Taubaté, que morreu de descrença diante da TV, a velhinha de Copacabana, que resolveu transformar sua indignação em ação, virou exemplo a ser seguido pela população, como propôs o secretário de Segurança, ou pela própria polícia, como vários leitores sugeriram em carta ao jornal. Um deles chegou a indicá-la para substituir autoridades policiais. No Rio, já tentaram coisas mirabolantes contra a violência, até Zepelin, como lembrou outro leitor, menos o expediente simples, barato, criativo e eficaz de uma câmera na mão e uma idéia na cabeça.


Sem dúvida, as operações enxuga-gelo seriam menos desastradas se cada invasão de favelas fosse precedida de um trabalho de inteligência para conhecer o inimigo, saber como e onde ele age e descobrir seu rosto, a exemplo do que fez dona Vitória. É um recurso tão óbvio em matéria de estratégia quanto o dos traficantes quando o cerco aperta: migram para outra favela da mesma facção, tal qual fizeram os bandidos da Tabajara, que fugiram para o Dona Marta e acabaram promovendo na movimentada Rua São Clemente aquele tiroteio em que várias pessoas saíram feridas, inclusive uma repórter da TV Bandeirantes.

A história dessa jovem colega de 24 anos, que felizmente já está fora de perigo, dá a medida do ponto a que chegamos. Nádia Haddad é minha vizinha: mora dois andares abaixo do meu por ser mais perto do seu trabalho, já que a família reside em Belford Roxo, desde quando era distrito de Nova Iguaçu. Lá ela nasceu e foi criada, sem nunca ter sofrido um assalto. "Minhas filhas saem de noite e eu vou dormir tranqüilo", diz o pai, médico. No entanto, a Baixada Fluminense já foi considerada pela ONU o lugar mais violento do mundo — quando Nova York era tida como a capital do crime, nos anos 50.

Outro dia, estive em Nova Iguaçu para uma palestra e me surpreendi com o movimento noturno dos bares. Me informaram com uma ponta de ironia que era o efeito da violência do Rio: "antes, os jovens iam curtir a noite carioca. Agora, temendo atravessar a Linha Amarela ou a Vermelha, eles preferem se divertir por aqui". O medo mudou de direção.

Ainda não refeito da surpresa, li que Nova York tinha reduzido sua criminalidade a níveis mais baixos do que os de 1961. É ou não é para nos humilhar?

Estou indo de férias para longe dos mensalões e das balas perdidas. Se já não tivesse me comprometido com Lisboa, onde estarei lançando um livro, talvez ficasse em dúvida entre Nova Iguaçu e Nova York. Minha esperança é na volta encontrar dona Vitória no corpo docente de algum curso organizado pela polícia para combater o crime.


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