O GLOBO
São três as razões para um presidente não terminar seu mandato na América do Sul: ausência de uma maioria parlamentar de apoio ao presidente; envolvimento pessoal do chefe de governo com escândalos de corrupção; e mobilização popular.
Essas conclusões são da professora Kathryn Hochstetler, do departamento de ciência política da Universidade do Estado do Colorado, autora do trabalho "Repensando o presidencialismo: contestações e quedas presidenciais na América do Sul", que está sendo apresentado na reunião anual da Associação Americana de Ciência Política.
Segundo seu estudo, um dos mais completos sobre o assunto, desde que os países sul-americanos retornaram ao governo civil nos anos 70 e 80, de 40 presidentes cujos mandatos terminaram por volta de 2003, 16 (40%) enfrentaram contestações à sua permanência no cargo pelo mandato completo, e desses nove (23%) encerraram prematuramente seus mandatos. A presença ou a ausência de grandes manifestações populares, exigindo sua deposição, mostra-se crucial para determinar seus destinos, segundo ela. Desde 1978, os desafios mais sérios vieram "de atores civis, no Legislativo e nas ruas, ou em ambos".
O contraste entre regimes presidenciais e parlamentares é um tema em debate permanente sobre qual deles é mais estável ou mais democrático. A professora Kathryn Hochstetler, em entrevista por e-mail, me disse que não crê que o sistema presidencialista seja o responsável por nossas crises recorrentes. "Collor saiu claramente envolvido em atividades corruptas e foi corretamente impedido. Lula poderá ser também, se houver provas suficientes que o liguem pessoalmente a qualquer esquema que tenha sido montado. Até agora, não há provas, no entanto, na minha opinião, existe a possibilidade de virem a surgir", escreveu.
Segundo a professora, "haveria uma crise semelhante num sistema parlamentarista se o primeiro-ministro fosse apanhado em esquema de propinas em contratos governamentais, ou pagando parlamentares e partidos políticos por seu apoio. O problema é a corrupção, não o parlamentarismo". Ela acha que o sistema presidencialista brasileiro "é até bastante saudável se comparado com o de alguns de seus vizinhos. A maioria dos cientistas políticos pensa que o processo de impeachment de Collor foi um sinal de fortalecimento das instituições brasileiras, e eu destaquei no meu trabalho que ele foi o único destituído num processo integralmente constitucional".
Ela lembra que em numerosos países vizinhos "presidentes são destituídos por razões insuficientes para um processo de impeachment, ou através de procedimentos que não são completamente constitucionais. Essas são ameaças mais sérias à democracia do que as experiências brasileiras". Segundo seu trabalho, porém, "a emergência regular de desafiantes, que exigem o afastamento dos presidentes do cargo prematuramente, sugere que as eleições diretas na América do Sul não dão consistentemente aos presidentes uma legitimidade que dure o tempo devido".
Uma observação "crucial" sobre estes casos, destaca o estudo, "é a de que deles todos resultaram novos presidentes civis num curto prazo. Em outras palavras, as quedas presidenciais são mudanças dentro do regime. Não são rupturas de regime, que pressupõem uma transição para um regime civil. De maneira uniforme, os vice-presidentes e os líderes legislativos assumiram mandatos constitucionais na qualidade de presidentes após as quedas presidenciais".
Hochstetler acha que "é um passo atrás para o Brasil encontrar fortes indícios de corrupção em um partido tão bem organizado como o PT. Ambos, PT e Lula têm papel central na recente história política brasileira e haviam tido atuação de destaque contra a corrupção em outros partidos e administrações. Essa história contribui para o desapontamento que muitas pessoas pareciam sentir quando estive aí em agosto".
O estudo da professora da Universidade do Colorado mostra que presidentes com minoria no Congresso são alvo mais comum de contestações. Ela contabiliza 14 contestações a presidentes com minoria, e apenas duas contra presidentes com maioria parlamentar. "De modo geral, os presidentes, cujos partidos tinham minoria no Congresso, apresentavam uma tendência maior tanto para serem contestados por atores civis, quanto para caírem. Esta relação mantém-se, mesmo se considerarmos o número muito maior de presidentes da região com minoria no Congresso. Dos 36 presidentes nestas condições, 14 (45%) foram contestados e oito (26%) caíram. Nos casos mais raros, de nove presidentes com maioria no Congresso, dois (22%) foram contestados e apenas um (11%) caiu", destaca no estudo.
Segundo o trabalho, seis dentre os nove presidentes que caíram no período do estudo apresentavam todos os "três fatores de risco": políticas neoliberais, corrupção pessoal e minoria no Congresso. No nosso caso atual, o presidente Lula se encaixa em dois dos "fatores": adoção de políticas econômicas neoliberais, e perda do controle sobre a maioria do Congresso, desde que Severino Cavalcanti foi eleito presidente da Câmara. A derrubada do veto ao aumento dos funcionários do Congresso é outro sintoma da perda da maioria. Não há ainda provas de sua participação direta e, talvez por isso, manifestações de rua. (Continua amanhã)
Entrevista:O Estado inteligente
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