Empresas brasileiras já manifestam interesse em se instalar na região, mas por motivos diferentes dos imaginados por Lula, que pensa numa integração dos países latino-americanos para fazer um bloco sem os EUA. A América Central já assinou acordo de livre comércio com os EUA. Companhias brasileiras, na área têxtil, por exemplo, pensam em levar fábricas (e empregos) para a região, de onde aproveitariam as novas facilidades de exportação de lá para o rico mercado americano.
Da Guatemala Lula embarcou para Nova York, onde participou de reuniões da ONU. Entre outros pontos, insistiu em duas idéias: a de cobrar uma taxa nas passagens aéreas internacionais para financiar programas de combate à fome administrados pelas Nações Unidas e a proposta de reformar a ONU para incluir mais países, o Brasil entre eles, como membros permanentes do Conselho de Segurança.
A idéia da taxa nem sequer é pauta séria nos debates internacionais. A direção da ONU está sob suspeita por ter sido apanhada em grossa corrupção e crassa ineficiência na gestão do programa Petróleo por Comida, aplicado no Iraque na época de Saddam Hussein. Sob bloqueio econômico internacional, o Iraque teve permissão de exportar petróleo só para comprar alimentos e remédios. Funcionários da ONU foram encarregados de organizar esses negócios entre compradores de óleo e vendedores das contrapartidas – e acharam como meter algum dinheiro no próprio bolso. Saddam e seu pessoal arrecadaram outra parte, de modo que sobrou pouca comida e pouco remédio para os pobres iraquianos.
O episódio evidenciou mais uma vez o problema do combate à pobreza: não está propriamente na arrecadação de fundos, mas na forma de aplicá-los de modo eficiente. Há inúmeros exemplos parecidos com o caso iraquiano, especialmente na África, onde o dinheiro da solidariedade mundial acaba nas mãos das elites e dos ditadores de plantão.
Nesse quadro, vem Lula propor uma taxa sobre passagens aéreas no mundo todo – baratinha, diz ele, um ou dois dólares, será que não se pode dar isso? – que exigiria estruturas burocráticas para arrecadar, guardar e gastar. Ou seja, não dá nem para começar essa conversa.
Ao contrário do que diz Lula, antes dele muita gente já estava preocupada com a miséria, especialmente na África. Mas o que se esperava de Lula, quando se elegeu, era alguma inovação nos programas de combate à pobreza, como o tão anunciado Fome Zero. Há dois anos, dirigentes do mundo todo aceitaram um convite do presidente brasileiro para tratar disso em Nova York. Depois, o encanto foi morrendo. O Fome Zero não era isso, o próprio governo Lula colocou sua ênfase nos programas de bolsa – tipo renda mínima, modalidade já conhecida no mundo todo e, aliás, introduzida no Brasil pela administração FHC.
A segunda motivação de Lula em Nova York também não prosperou. A reforma do Conselho de Segurança não sai sem a concordância, entre outros, de EUA e China. Com os EUA o governo petista mantém uma relação de pontapés e, portanto, não pode esperar apoio. Com a China o presidente Lula julgou ter estabelecido "relações estratégicas" ao reconhecê-la como "economia de mercado", pleito dos chineses para ter sua vida facilitada no comércio internacional.
Mas a China não quer saber do Japão no Conselho de Segurança, e o Japão é sócio do Brasil na proposta de reforma. Não vai dar certo. Os países africanos, outro alvo preferencial da diplomacia (e das viagens) de Lula, também não compraram a proposta brasileira, que não obteve amplo apoio nem na América do Sul.
Antes dessas viagens, Lula havia estado no Peru para assinar acordo destinado a construir uma rodovia do Brasil até o Pacífico, integrando países da região. Foi mais um passo de sua política de juntar primeiro os sul-americanos e depois os latino-americanos num bloco autônomo, independente dos EUA, para, assim, todos unidos, tratar com os americanos olho no olho, olhando na cara, como gosta de dizer Lula.
Só que, um, não é certo que haverá dinheiro para a estrada. E, dois, o Peru e os colegas andinos já estão negociando acordos de livre comércio com os EUA. E por que fazem isso? Porque são vendidos ao imperialismo? Porque suas elites são colonizadas? Fazem isso pelos mesmos motivos que levaram o governo chileno, presidido pelo socialista Ricardo Lagos, a assinar acordo comercial com os EUA. Porque um excelente meio de encurtar o caminho do crescimento é vender aos consumidores norte-americanos, os que mais gastam no mundo todo. Como faz a China, nossa parceira "estratégica", que está mais preocupada com o presidente da Wal-Mart do que com o presidente do Brasil, pelo simples motivo de que vende mais para a cadeia de supermercados.
Tudo considerado, a base da diplomacia do governo Lula é um fracasso monumental. A idéia de juntar os países do Sul (os pobres, emergentes e/ou em desenvolvimento) para que estes negociem cara a cara com os ricos do Norte não faz nenhum sentido, especialmente se o Brasil coloca, como faz muitas vezes, que existe a opção entre se alinhar com os EUA ou com os "hermanos".
A opção não existe. Peru, Guatemala e Chile obviamente querem acordos e negócios com o Brasil, mas precisam mais ainda dos mercados e dos investimentos dos EUA. Por isso, se houver opção, se forem levados a escolher, está na cara que vão escolher negócios com o Norte, como ameaça fazer o Paraguai.
E é mais ou menos o que está acontecendo. O Mercosul faz água, as negociações com União Européia e Alca estão bloqueadas, enquanto há intensa negociação no mundo todo para acordos comerciais regionais ou diretos com os EUA e a Europa. Não há base para uma união dos países do Sul, pois seus interesses ora coincidem – como é o caso dos exportadores agrícolas, que, aí sim, se juntam – e ora não coincidem – como em vários casos com a China, com a qual todos competem nos produtos industrializados. Em resumo, como só a diplomacia brasileira, além da venezuelana e cubana, trabalha com essa idéia de "nós contra eles", o Brasil perde uma atrás da outra. Nem vizinhos ideológicos, como o Uruguai, votam com o Brasil.
Não se poderia imaginar equívoco maior.