Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 10, 2005

Um furacão contra a pobreza e a exclusão David Brooks*

O ESTADO DE S PAULO

Como diz um colega, toda crise traz uma oportunidade. E certamente o furacão Katrina nos deu uma chance fantástica de fazer algo sério em relação à pobreza urbana. Isso porque o Katrina foi uma catástrofe natural que interrompeu uma calamidade social.

Retirou dezenas de milhares de pobres dos bairros decadentes e isolados nos quais estavam encerrados. Interrompeu os padrões que levaram uma geração a seguir a próxima na pobreza.

Criou algo próximo a uma lousa em branco no que se refere a assuntos humanos e nos deu uma chance de reconstruir uma cidade que não estava funcionando. Precisamos ser realistas sobre o quanto podemos mudar o comportamento humano, mas seria uma tragédia dupla se não aproveitarmos essas circunstâncias únicas para fazer alguma coisa que sirva de impulso para programas de combate à pobreza em toda a nação. A primeira norma do trabalho de reconstrução deve ser: nada como antes.

A maioria das pessoas ambiciosas e organizadas abandonou as áreas decadentes de New Orleans há muito tempo, deixando bairros nos quais cerca de três quartos da população é composta de pobres. Nessas áreas muita gente abandonava a escola no segundo grau. Assim, parecia normal abandonar a escola.

Muitas garotas adolescentes tinham filhos. Assim, parecia normal tornar-se uma mãe adolescente. Era difícil para os homens obterem um emprego estável. Assim não era anormal que eles cometessem crimes e pulassem de um relacionamento para outro.

Muita gente não tinha qualificações profissionais que lhes assegurasse um lugar no mercado de trabalho. Assim, era difícil para os jovens aprenderem um ofício influenciados pelos pais, vizinhos e seus pares. Se nós simplesmente erguermos novos prédios e permitirmos que as mesmas pessoas voltem para sua antiga vizinhança, então a New Orleans urbana ficará tão decadente e desestruturada como era antes.

É por isso que a segunda norma da reconstrução deve ser: integração cultural. A única chance que temos de romper o ciclo da pobreza é integrar essas pessoas em bairros de classe média. Misturar pessoas que não têm habilidades requisitadas pelo mercado de trabalho com as que têm. Mudar os padrões de comportamento dos mais pobres.

O mais famoso exemplo de integração cultural é o programa Gautreaux, pelo qual foi dada oportunidade às famílias pobres de Chicago de mudaremse para áreas de classe média.

Os adultos dessas famílias se derem apenas ligeiramente melhor do que os adultos que ficaram para trás, mas as crianças das famílias realocadas se saíram muito melhor.

Essas crianças de repente se viram cercadas por colegas que tinham em mente concluir o segundo grau e cursar uma faculdade. Depois do choque de adaptação às escolas mais exigentes do bairro, elas ficaram mais propensas a irem para a faculdade, também.

O governo Clinton aproveitou a experiência de Gautreaux para criar o programa Mudando-se para a Oportunidade, distribuindo famílias pobres em bairros de classe média em cinco outras áreas metropolitanas.

Desta vez os resultados não foram espetaculares, mas mesmo assim, no geral, foram positivos. Os pais realocados não tiveram muito oportunidade de ter empregos ou aumentar seus rendimentos, já que estar próximo às oportunidades de trabalho não é suficiente - você precisa das qualificações e dos hábitos para obter empregos e exercer o ofício.

Mas seus filhos se saíram muito melhor, principalmente as meninas.

CHANCE DE COMBATER POBREZA É INTEGRAR VÍTIMAS A BAIRROS DE CLASSE MÉDIA

A lição é que não se pode esperar milagres, se você dispersa zonas de concentração de pobreza, pode obter progressos ao longo do tempo. Neste mundo pós-Katrina, isso significa que temos que dar às pessoas que não querem voltar a New Orleans os recursos para se espalhar em áreas de classe média pelo país. É esse tipo de coisa que Houston está começando a fazer agora.

Pode haver resistência local aos recém-chegados - em Baton Rouge houve filas de três horas nas lojas que vendem armas de fogo quando os habitantes locais armaram-se contra as vítimas do furacão que estavam se mudando para a região.

Mas se existe um momento em que as pessoas precisam abrir seu coração, o momento é este. No caso de New Orleans, a chave será atrair famílias de classe média para a cidade reconstruída, tornando-a tão atraente para elas que, mesmo sabendo que seus quarteirões incluirão um determinado número de pobres, não desistam.

À medida em que as pessoas se mudem, o trabalho de reconstrução poderá oferecer empregos para aqueles capacitados para trabalhar. Igrejas, a polícia, escolas e entidades dedicadas ao bem-estar social poderão ser mobilizadas para tecer as redes sociais vitais para comunidades ressurgentes.

Os órgãos federais poderão aumentar os descontos de imposto de renda de forma que as pessoas que estejam trabalhando possam sair da pobreza. Leis tributárias poderão incentivar o desenvolvimento de empresas.

Não podemos vencer uma guerra espetacular contra a pobreza, mas depois da tragédia vem a oportunidade. Este é o momento pós-Katrina. Não vamos deixar passar.

* Escreve para o jornal The New York Times

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