Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 10, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Ou a grandeza ou a ruína


O relato do empresário Sebastião Augusto Buani sobre os seus negócios com o então primeiro-secretário e atual presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, para não perder o contrato de arrendamento de um de seus restaurantes no complexo do Congresso Nacional, contém uma coisa sabida e uma coisa nova. A primeira, conhecida direta ou indiretamente de todos quantos fornecem bens ou prestam serviços ao poder público, em quaisquer de seus níveis e instâncias, é a criação de dificuldades para a venda de facilidades. Decerto existem licitações limpas, decerto existem concedentes que não exigem e concessionários que não precisam fazer pagamentos espúrios (com o corolário do superfaturamento à custa do contribuinte). Mas ainda é arriscado apostar que a regra é a lisura e a corrupção é a exceção - não estivessem aí os exemplos dos suspeitos contratos dos publicitários Marcos Valério e Duda Mendonça com órgãos da administração federal direta e indireta, no governo do PT.

Já o que há de novo nas declarações de Buani é a baixeza inimaginável da extorsão de que foi vítima: nem de Severino era de esperar que descesse ao nível do mais "pé-de-chinelo" dos chantagistas, ou que se comportasse como o assaltante cuja vítima implora que ao menos lhe deixe na carteira algum trocado para o ônibus. O fato de um tipo escabroso como esse ter conseguido chegar ao comando da Câmara é uma nódoa que não se apagará da história do principal colegiado legislativo brasileiro. O que resta aos deputados com pelo menos um resquício de auto-respeito e de respeito pelo Poder que 300 de seus pares enxovalharam - ao eleger para dirigir os seus trabalhos o rei do baixo clero e o imperador do grotão de onde emergiu para a política da torpeza - é impedir que essa nódoa fique ainda maior e, agora sim, ameaçadora. Pois, se ele não for posto para fora da Casa a toque de caixa, acontecerá fatalmente o que não aconteceu em 4 meses de denúncias sem paralelo na crônica política do País: uma crise institucional.

A legitimidade da instituição parlamentar se esfumará se tardar um dia a mais do que o estritamente necessário a punição do delinqüente comprovado. A podridão que dele emana é de tal ordem - e as conseqüências potenciais disso tão abrumadoras - que, para salvar o Congresso do pior, é o caso de dizer que, se fosse possível trazer o extorsionário a ferros de Nova York, onde envergonhou o Brasil, isso deveria ser feito. E em hipótese alguma se pode permitir que ele abandone a terceira mais importante função da República e conserve o mandato. Idealmente, Severino deveria ser impedido até de renunciar à deputação, para conservar os direitos políticos e poder se recandidatar em alguma das 5 eleições previstas até 2015 (quando, se for cassado, só então recuperará a cidadania plena). As coisas são simples assim: se ele tiver a soberba de querer manter a sua cadeira no plenário e lograr êxito, escapando da cassação, ninguém, rigorosamente ninguém, na Câmara e também no Senado, merecerá ser cassado. E CPI nenhuma terá autoridade moral para continuar funcionando.

Além disso, o seu desligamento da Câmara, com toda a presteza concebível, repita-se, é castigo indispensável, porém insuficiente: despojado de suas prerrogativas, urgirá que seja levado a julgamento e pague pelos seus delitos, como qualquer criminoso. A liquidação política de Severino também pede um epílogo político apropriado ao porte da afronta que ele fez recair sobre a instituição. Esse epílogo será a eleição de um sucessor reconhecidamente ilibado, escolhido por consenso a partir de entendimentos de que participem não só os integrantes do colegiado de líderes da Casa, mas também aqueles, em cada bancada, de quem se sabe que em matéria de integridade passariam pelo proverbial buraco da agulha. Poucas vezes na vida republicana a sociedade terá exigido a grandeza que ora cobra dos seus legisladores, com ênfase e também ceticismo impossíveis de subestimar. Qualquer critério para a escolha do novo presidente da Mesa, ao arrepio dessa demanda, equivalerá à ruína completa da Câmara.

Numa circunstância em que - por motivos óbvios - os políticos são tidos por 9 em 10 dos brasileiros como os concidadãos em que menos se pode confiar, essa eventualidade seria no mínimo tão grave como um eventual impeachment do presidente Lula.

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