Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 10, 2005

Tales Alvarenga Abraço do afogado

VEJA

"O PT não entendeu o cenário que
lhe deram para governar. Lula acabou
abraçado a Severino Cavalcanti.
É o abraço do afogado"

Lula deu para comparar-se com Juscelino Kubitschek. Entende-se esse artifício psicológico num homem cercado pelos fantasmas de uma crise de imagem e com o poder esvaziado a um ponto crítico. Sua Presidência acabou de fato. Só sobrevive formalmente porque essa é a melhor solução para o problema.

Ao se identificar com JK, o presidente dos Anos Dourados, Lula evocou um país de que os brasileiros mais velhos têm saudade. Os anos 50 foram uma época de orgulho nacional, com o início da industrialização, a explosão de movimentos culturais como a bossa nova e a reformulação do velho cinema de chanchadas que o país tinha até então. As capitais brasileiras eram lindas e arborizadas e o Rio de Janeiro ainda não havia se transformado numa arena do crime organizado. A sensação era a de que o país tinha um destino glorioso. Tudo isso é muito atraente, mas aquele Brasil era um lugar pior do que o Brasil de hoje para a maior parte dos seus habitantes.

Nos anos 50, éramos uma fazendona. Mais da metade da população vivia no campo (hoje apenas 15%). Quarenta por cento dos brasileiros eram analfabetos (hoje 11%). Enquanto a maioria não tinha acesso ao mercado de trabalho nem participação nas escolhas que a democracia permite, a parte urbanizada da população freqüentava de graça as boas escolas públicas, tinha empregos garantidos pelos laços familiares e comandava a vida econômica e política do país. Apenas 30 milhões de pessoas viviam nas cidades. Sobrava tudo para a elite e as classes médias. Nada era destinado aos que viviam descalços, desdentados, desnutridos e analfabetos nos grotões.

Nas décadas seguintes, hordas de brasileiros deixaram o campo pelas cidades, num dos grandes deslocamentos humanos da história mundial, ao mesmo tempo em que a população explodia de 70 milhões para 180 milhões de habitantes. Os recém-chegados tomaram as vagas nas escolas públicas, lotaram os hospitais mantidos pelo governo, ergueram bairros pobres em torno das cidadelas do bem-estar, exigiram empregos, elegeram seus parlamentares. A isso se pode dar o nome de massificação, urbanização febril, exaustão repentina dos serviços públicos – ou simplesmente democratização da vida nacional.

O Brasil ainda está digerindo esse dilúvio social. O PT não entendeu o cenário que lhe deram para governar. Em vez de promover uma reforma da Previdência Social para que ela pudesse suportar a carga de milhões de novos filiados, optou por incitar falsos camponeses a participar de uma reforma agrária que não tem mais função, já que a propriedade rural se transformou em empresa de alta produtividade. Criou um programa chamado Fome Zero num país em que o problema dos pobres é a obesidade. Não entendeu a urgência de estimular a criação de empregos por meio do fortalecimento das empresas. Em vez de reduzir, aumentou a carga tributária. Não viu a oportunidade oferecida pela simplificação das leis trabalhistas. Por fim, o PT imaginou que podia governar à base de apoios políticos comprados com mensalões e favores vendidos a quem quisesse pagar mais. Lula acabou abraçado a Severino Cavalcanti. É o abraço do afogado.

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