Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 10, 2005

Surpresa nos trêfegos trópicos Augusto Nunes

no mínimo volta à primeira página
Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, não é homem de surpreender-se com resultados de pesquisa. Depois de tantos e tão distintos levantamentos, raramente se espanta com números, tendências ou fenômenos. Por alguns anos, o comandante do Ibope acumulou outro cargo que obriga seu ocupante ao permanente convívio com o inesperado, o imprevisto, o inverossímil: foi presidente do Botafogo. Como todos sabemos, há coisas que só acontecem com o Botafogo. Ou no Botafogo.

Pois o tarimbado Montenegro anda perplexo com descobertas pinçadas das pesquisas destinadas a radiografar os efeitos produzidos na cabeça dos brasileiros pela mais aguda crise política desde o impeachment de Fernando Collor. Montenegro considera espantosa a brusca mudança dos ventos: a terra do homem cordial cansou-se definitivamente da impunidade que, desde a primeira caravela, beneficia quem tem dinheiro, poder ou amigos influentes.

Milhões de brasileiros, distribuídos por todas as classes, enfim enxergaram obviedades ignoradas por séculos – e contemplaram o tamanho do buraco. Sabem que governos não dão lucro: vivem do que arrecadam com tributos abusivos. Quem paga a conta (todas as contas) é o povo. Antes da explosão da crise, o Brasil se mostrava progressivamente indignado com a gula do mamute estatal. Escancarada a roubalheira amazônica, perdeu a paciência de vez. E decidiu que chegou a hora dos larápios de gravata.

No caso dos parlamentares patifes, os entrevistados deixam claro que é indispensável cassar-lhes o mandato, o quanto antes. Mas isso não basta. É apenas um bom começo. Exigem que a Justiça enquadre sem demora os delinqüentes agora desprovidos de imunidades, prenda os comprovadamente culpados e trate de recuperar os bilhões roubados. Ou parte da bolada.

Os ilhéus de Brasília procuram preservar a imagem do presidente da República, a pretexto de evitar o terremoto sucessório. O Brasil real só quer saber se Lula tem culpa no cartório. Se tiver, que seja julgado e, eventualmente, devolvido a São Bernardo. O Congresso parece considerar-se pendurado numa republiqueta do século passado, ainda tateando os caminhos da democracia. A gente comum já compreendeu que sobrevive numa nação injusta, cruel, envilecida – mas hoje distante de golpes militares ou quarteladas, além de avessa a aventuras propostas por homens providenciais ou emissários do destino. Collor foi o penúltimo beneficiário da crença no advento do salvador da pátria. Lula será o último.

Se o castigo reservado aos 18 do Cofre, remetidos ao cadafalso pela CPI dos Correios, estacar na perda do mandato e na suspensão dos direitos políticos, o Congresso conhecerá as dimensões da fúria popular nas urnas de 2006: centenas de parlamentares serão aposentados pelo voto. Se as investigações confiadas a outras instituições e organismos não avançarem com a devida audácia, a retaliação do eleitorado terá em Lula o alvo preferencial.

A discurseira do chefe de governo tornou-se mais que tediosa: aos ouvidos de quem tem três neurônios, soa insuportável. No terceiro pronunciamento à nação em três meses de crise, Lula novamente celebrou proezas que não houve, louvou um quadro econômico cuja solidez evoca os prédios de Sérgio Naya e, outra vez, contornou a crise imensa.

Há quase 100 dias, o deputado Roberto Jefferson jurou ter contado ao presidente, no final de 2004, a história do "mensalão". Segundo Jefferson, um Lula prostrado agradeceu com lágrimas no rosto a informação trazida pelo homem a quem daria, sem perder o sono, um cheque em branco. Até agora, a antiga encarnação da esperança não tocou no assunto. Deve imaginar que o povo vai esquecer o episódio.

O Ibope informa: não vai.

Arquivo do blog