Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 06, 2005

Outras preocupações ALI KAMEL

o globo

Este artigo também poderia se chamar "As lições da História".No início de 1939, já era evidente que o Reino Unido entraria em guerra contra a Alemanha nazista. O governo britânico começou então a estudar medidas que dotassem o país dos meios necessários para o combate. Em agosto daquele ano, o Parlamento aprovou a Lei de Poderes Emergenciais Para a Defesa — Emergency Powers (Defense) Act — e, a partir dela, o governo decretou os "regulamentos de defesa", cada qual recebendo uma numeração. O "Defense Regulation" 18b dava ao governo o poder de prender, sem aviso prévio ou autorização judicial, cidadãos britânicos de "origem hostil" (alemães naturalizados britânicos e descendentes de alemães) ou com notórias relações com estrangeiros hostis. Também autorizava a prisão de suspeitos de praticar ou de vir a praticar atos prejudiciais à segurança pública. Um outro regulamento de defesa permitia ao governo britânico prender todo estrangeiro de origem hostil, mesmo aqueles que supostamente tinham saído da Alemanha fugidos da perseguição nazista.

O prisioneiro podia recorrer a um conselho consultivo, que, analisando o caso, recomendava a manutenção da prisão, o relaxamento dela sob condições ou a imediata liberdade. O serviço secreto era obrigado a dar ao conselho informações sobre o motivo da prisão, mas o prisioneiro não podia ter acesso às explicações. De todo modo, a decisão do conselho era apenas uma recomendação: o Ministério do Interior não era obrigado a segui-la, e, de fato, invariavelmente, mantinha a prisão quando a recomendação era pela liberdade do preso. Cerca de mil britânicos e oito mil estrangeiros foram mantidos presos, primeiramente em penitenciárias e, logo depois, em campos de detenção.

A maior parte dos britânicos presos era simpatizante do nazi-fascismo. Havia muitos de esquerda também. Eram chamados de a Quinta Coluna, súditos que ajudariam os nazistas numa possível invasão. Em 1940, quando a situação era francamente favorável aos nazistas, Churchill declarou: "O Parlamento nos deu poderes para reprimir com mão forte as atividades da Quinta Coluna, e faremos uso desses poderes, sujeitos à supervisão e a emendas da Câmara, sem a mais ligeira hesitação, até que estejamos convencidos de que essa malignidade em nosso meio foi extinta de modo eficaz."

O serviço secreto manteve em Ham Common, Richmond, entre 1940 e 1941, uma base clandestina, Latchemere House, em que suspeitos de espionagem eram interrogados mediante métodos expressamente proibidos pela convenção de Genebra (pouco se sabe sobre o assunto, porque os arquivos ainda estão sob sigilo). Podia-se ir preso por se reclamar do preço do pão ou por se dizer num pub algo como "não vejo como ganharemos essa guerra". O escritor Cyril Connolly foi preso num hotel em Oxford porque parecia prestar muita atenção à conversa de dois oficiais.

Nos EUA, numa reação ao bombardeio de Pearl Harbor pelos japoneses em 1941, o presidente Franklin Roosevelt baixou o decreto 9066 em fevereiro de 1942, autorizando os comandantes militares a designar áreas do território nacional de onde qualquer pessoa poderia ser banida. Com base no decreto, todos os japoneses ou nipo-americanos foram removidos da costa oeste americana e levados para campos de detenção em Oregon, Washington e Arizona. Alemães e italianos (mas não descendentes) da costa leste também foram levados para campos. Ao todo, 120 mil indivíduos de origem japonesa (62% desse total eram cidadãos americanos) foram confinados. O mesmo aconteceu no Canadá, onde 75% dos detidos nos campos eram cidadãos canadenses.

Isso é o horror da guerra. Aconteceu há apenas 60 anos. Nações democráticas tomando medidas de exceção para fazer vencer a democracia.

Hoje, quem estranha o Patriotic Act americano ou as medidas antiterrorismo britânicas não conhece a História. A aparente restrição às liberdades individuais nos EUA e a política britânica de atirar para matar são atos de defesa de nações em guerra. A lição que a comunidade muçulmana radicada em países do Ocidente tem a tirar é uma só. Ela deve se alinhar com os países que as acolheram, colaborando de maneira explícita e engajada na caça aos terroristas. Seus líderes religiosos devem condenar da maneira mais veemente e sincera os radicais que aderem às idéias de Bin Laden, classificando-as como antiislâmicas. Do contrário, se o terrorismo ganhar ainda mais fôlego, cidadãos inocentes com origem em países islâmicos pagarão o pato, não importam quantos sejam. A sociedade britânica já mostrou o que pensa: lamentou a morte do brasileiro inocente, mas 87% apoiaram integralmente a polícia nos primeiros dias. Mesmo agora, diante do que revelaram as investigações, o que lá se condena são os erros grosseiros que levaram à morte de Jean Charles de Menezes, mas não a política do atirar para matar. Pode ser algo chocante, mas mostra que a sociedade britânica parece ter acordado para a realidade: deixou os protestos antiguerra do Iraque para trás e se prepara para se defender. De novo, é o horror da guerra, uma espécie de "antes eles do que eu".

Espero que a comunidade islâmica nos países ocidentais entenda isso. Do contrário, o pesadelo vai ser grande.

Este artigo poderia também se chamar "Em causa própria".

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