Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 06, 2005

MERVAL PEREIRA Questão de imagem

o globo

O movimento de partidos de oposição, e de dissidentes do PT e do PMDB, pelo afastamento do presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, tem conteúdo simbólico que vai muito além do simples fato de tirar ou não um presidente que não tem peso político e chegou ali por um acidente.

Tem a ver, no plano imediato, com a recuperação da credibilidade da Câmara diante da opinião pública, e pode ter a ver até mesmo, a médio prazo, com um eventual processo de impeachment do presidente Lula.

O PT oficial ainda não sabe que atitude tomar, pois há os oportunistas que vêem no episódio a possibilidade de uma retomada do controle político da crise. Os mais otimistas acham até que o governo tem condições de eleger o substituto de Severino, caso ele venha a deixar a presidência. Outros, mais realistas, acham apenas que desviar o foco para o caso Severino, e aumentar a culpa dos políticos nesse processo, ajudaria o presidente Lula.

Já a oposição atira em Severino mirando em Lula. A deposição de Severino, hoje um dos principais suportes políticos do presidente, seria mais uma demonstração de força da oposição, que elegeria em seu lugar um deputado com imagem íntegra que criaria as condições para que um eventual processo de impeachment fosse deflagrado, assim que as condições políticas extra-Congresso sejam propícias.

Assim como foi instrumento do baixo clero e de parcela ponderável da oposição para uma derrota política do governo, que sinalizou o início de sua derrocada, o deputado Severino Cavalcanti tornou-se, por pensamentos, palavras e obras, o símbolo de uma Câmara corrompida moralmente. Graças à política do Palácio do Planalto de incentivar esse tipo de baixa política, que não lhe cobrava posições nem programas, mas apenas o mensalão, o ambiente político na Câmara deteriorou-se rapidamente.

A tal ponto que deu margem a que uma figura folclórica como ele, capaz de ser acusado de receber um mensalinho de R$ 10 mil quando era 1 secretário, se tornasse o representante da maioria dos deputados. Essa acusação não seria nem feita, ou não ganharia ares de verdade, contra outro tipo de deputado. O desmentido do concessionário do restaurante da Câmara parece à oposição manobra que será desmentida pela apuração dos fatos. A retirada de Severino, no entanto, não depende apenas dessa denúncia. É preciso lembrar que o deputado Fernando Gabeira teve o bate-boca com ele antes dessa denúncia, já prevendo que ele deveria deixar o posto. Pelas atitudes que tem tomado a favor do nepotismo, por exemplo. E em defesa de "penas mais brandas" para os que receberam dinheiro de caixa dois nas campanhas eleitorais.

O pedido de cassação, se vier a ser formalizado, se baseará também no fato de que, como presidente da Câmara, ele tentou interferir nas investigações das CPIs, ao confirmar a explicação, logo desmentida, de que o R$ 1 milhão recebido pelo PP foi para pagar advogados do deputado Ronivon Santiago, Severino ajudou o líder do seu partido, deputado José Janene, a tentar esconder um delito.

A oposição, que hoje se une para tentar tirá-lo da presidência da Câmara, ajudou a colocá-lo lá num golpe político que desmontou a base aliada do governo, mas respingou em toda a classe política. Naquele momento, sua eleição pareceu um fato fortuito, e por isso mesmo a oposição foi muito criticada. Parecia que, por não ter resistido a dar uma estocada no governo, a oposição irresponsavelmente acabara criando o ambiente favorável à eleição de um Severino qualquer para cargo tão importante quanto o de presidente da Câmara, o terceiro na linha de sucessão presidencial.

Hoje, com toda a história do mensalão sendo desvendada, sabe-se que o papel da oposição, embora continue sendo irresponsável, não foi tão decisivo assim no episódio. O movimento de rebeldia do baixo clero era irreversível, devido a movimentações no interior do governo que não se supunha estarem acontecendo. Ao incentivar o troca-troca de partidos para inchar a base aliada, e pagar por votações no plenário, o Planalto desencadeou o apetite fisiológico reprimido nos bastidores da baixa política, que se tornara peça fundamental na estratégia do governo para se perenizar no poder.

O clima criado na Câmara era muito mais favorável a um Virgílio Guimarães — que introduziu o lobista Marcos Valério no mundo petista — do que a um Luiz Eduardo Greenhalgh, embora os dois fossem petistas de alto coturno, cada qual na sua especialidade, na eterna tentativa do PT de manter-se na corda bamba, contentando todos os lados. Aquele não era o momento ideal para uma candidatura petista de esquerda.

Como o presidente da Câmara se recusa a abandonar o cargo mesmo temporariamente, agora fortalecido pelo desmentido, o movimento das oposições será cauteloso nos próximos dias, aguardando algum fato novo que justifique encaminhar à Comissão de Ética um pedido de abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra Severino Cavalcanti.

A disposição dos partidos de oposição era obstruir os trabalhos da Câmara até que Severino decida se afastar, ou por renúncia, ou pelo menos por licença temporária até o fim das investigações. Mas se não surgirem novos fatos que confirmem a denúncia de recebimento de mensalinho, dificilmente haverá clima para iniciar um processo dessa gravidade. Desde que Severino não cometa qualquer novo deslize, o que a oposição considera muito provável.


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