'Há muito valor em jogo para ser apenas uma disputa política' Sonia Racy Irany Tereza
O banqueiro Daniel Dantas depõe hoje às CPIs dos Correios e do Mensalão amparado por pedido de habeas-corpus no qual utilizou uma retórica talvez mais agressiva do que a que apresentará aos parlamentares. Nesta entrevista, dada ontem à tarde em São Paulo, por meio de videoconferência, Dantas claro que acredita que sua convocação não é exatamente política, mas comercial. E diz que, se fizesse tudo de novo, faria uma só mudança na sua estratégia: arrumaria outro parceiro que não os fundos de pensão de estatais. Os principais trechos de sua entrevista: O senhor pediu habeas-corpus para depor na CPI por quê? Pedi o habeas-corpus porque senti que estava havendo manobras de adversários nesta disputa societária querendo usar a CPI como mais um instrumento da disputa, tentando gerar perguntas cujas respostas pudessem lhes ser úteis. PERGUNTAšÚteis em que sentido? E quem são esses adversários? Úteis tanto do ponto de vista de estratégia quanto nas disputas judiciais. No fundo, querem usar a CPI como janela para nossas iniciativas. Os adversários são todos, não posso precisar qual. Mas senti nitidamente esse movimento. Soubemos que foi enviado documento enorme com série de induções, que não o objeto de investigação da CPI. Por que o senhor acha que foi chamado à CPI? Existe mistura. Há certa confusão entre os termos controle e direção. Controle sugere alguém que dirige. O acionista controlador tem a prerrogativa de indicar quem dirige a companhia, mas não a dirige. Esse é um ponto que permite a confusão. De outro lado, havia interesses da disputa societária de tentar induzir a minha convocação, e não o de examinar se teria existido, porventura, alguma irregularidade nos contratos de publicidade da Telemig e Tele Norte (Amazônia Celular). PERGUNTAšO senhor acredita então que sua convocação é um ato político? Não. Não acho que seja ato político. Imagino que possa existir intenção comercial, o que é diferente. Nessa disputa societária há muito valor em jogo para que eu tenha a interpretação de que seja apenas política. Pode-se dizer com clareza que existe ingerência política numa disputa que deveria ser só societária. Houve divisão no governo na disputa entre os fundos de pensão e o Opportunity pelo controle da Brasil Telecom? Não tenho certeza de que teria sido uma disputa entre os fundos e o Opportunity. Os fundos são um meio para transferir controle a algum outro ente privado. A Telecom Italia me informou que sócios da Telemar teriam confirmado isso para eles e, depois de ter compreendido melhor a situação e reconstruído diálogos que tinha tido com o Citi, vi que as colocações foram feitas de forma mais evasiva, que não era nítida no momento dos meus diálogos. Mas, hoje, me dá forte convicção de que existia esse interesse. O Citibank falou sobre o interesse da Telemar? O Citi não foi claro em falar a palavra Telemar. Foi evasivo, mas me disse claramente que a transação tinha a concordância de um membro do governo no mais alto escalão. Quem seria, o ex-ministro Gushiken? Não me informaram quem era e nem eu perguntei. O que Luiz Gushiken teria contra o senhor? Não sei, mas fui sempre informado disso. Nunca estive com o ministro Gushiken. Foi o Opportunity que contratou a empresa de espionagem Kroll? O Opportunity nunca contratou a Kroll. Foi a Brasil Telecom, porque os advogados que assistem a BrT em Nova York disseram que é praxe nos Estados Unidos ter empresas em investigação para procurar evidências de fraude. Se fosse possível obter evidências de que houve corrupção na compra da CRT, isso poderia ser útil. E houve essa evidência? Nunca li o relatório da Kroll. Obviamente li a respeito. O grampo no Gushiken deflagrou isso? Não houve grampo no Gushiken. A Kroll publicou nota dizendo que o relatório que vazou tinha sido adulterado. Havia e-mails trocados com Luís Demarco antes de (Gushiken) ser ministro. Isso não significa investigar o governo. E sua relação com o ex-ministro José Dirceu, como é? O ex-ministro José Dirceu teve uma conversa comigo na qual ele me remetia ao Cassio Casseb (ex-presidente do Banco do Brasil), que nos pediu que abrisse mão de todos os nossos direitos contratuais. Disse que não haveria nada em troca. O Citi mandou uma carta, dizendo que não concordava. Voltei a encontrar Dirceu e reportei que a conversa com Casseb não tinha ido bem. Ele me pareceu bem diferente dessa vez, como se as informações que tinha recebido não correspondessem às que eu estava dando. Disse que as empresas (administradas pelo Opportunity) eram rentáveis, que estavam dando dinheiro, que distribuíamos mais dividendos. Ele falou: "Mas, os fundos dizem que não mandam." E eu disse: "Vai ver que é por isso." O sr. disse que ele estava diferente? Foi a sensação que tive. As duas conversas foram muito polidas, muito gentis. Eu argumentei, da primeira vez, que Casseb talvez não fosse um intermediador ideal, pois tinha sido conselheiro da Telecom Italia. Ele falou: "Se tiver algum problema, você me avisa." A segunda ponderação que fiz foi saber se existia algum problema. E ele disse: "Vai conversar com ele". Na segunda reunião, levei um relatório que o (Henrique) Pizzolato (ex-dirigente da Previ e do BB) tinha feito sobre a compra da CRT, dizendo que havia tido interferências do governo. Eu disse que não via por que o governo tomasse partido e ele disse: " Eu também não. Estou vendo que é uma questão privada". Eu falei ter a percepção que o governo atuava (na disputa com os fundos). Ele disse: "Se tiver a sensação de que isso está acontecendo, me avise". O Opportunity fez alguma contribuição para a campanha oficial do presidente Lula? Não contribuímos. As companhias de telefonia são proibidas por lei de contribuir. E a grande maioria dos fundos (que o Opportunity geria) pertencia ao Citi, que também é proibido de contribuir. Vocês contribuíram com recursos não contabilizados? Não. Aliás, não temos recursos não contabilizados. O sr. conhece Marcos Valério? Fui apresentado a Valério no escritório do Opportunity em São Paulo. Ele saía do corredor, com outras pessoas em volta. Não lembro dos outros, me lembro dele porque vi uma figura marcante, vestido com roupas mais exóticas. A agência dele fez um trabalho muito bom com a Telemig e ele estava aí porque queriam levá-lo também para a Brasil Telecom. O sr. confirma ter sido achacado por este governo? Não fui achacado. Foi chantageado pelo seu ex-sócio Luís Demarco? Ele disse que queria receber um valor que não era o que tinha direito. Decidimos que não podia. Se isso começa com um, se estende a todos. Com o pagamento de um a fila cresce. O Citi mudou de lado por quê? Por pressão dos fundos? Só a pressão dos fundos de jeito nenhum faria o Citi fazer o que fez. Minha sensação é de que o Citi, aqui no Brasil, pode ter sido induzido. Foi o que Mark Carpenter (segundo executivo no grupo) me disse: que teve o apoio de autoridade de mais alto escalão. Conversamos depois de eles terem nos tirado da administração do fundo. Questionei o fato. Ele me disse que fez acordo com fundos. Argumentei que havia o perigo de (o acordo) não ser autorizado no conselho deliberativo. E ele respondeu que teve apoio de uma autoridade no mais alto dos níveis. Quem? Meu sentimento é que havia outros elementos que não as questões eminentemente financeiras. Não me deram exemplos e nem eu perguntei. Não sou jornalista. Se pudesse voltar à época da privatização, o que o senhor mudaria? Não teria captado recursos dos fundos de pensão. Tinha procurado outra origem. Com quem mais o senhor conversou no governo, além de José Dirceu? A pessoa com quem mais eu conversei nesse governo foi o ministro da Educação. A Brasil Telecom tem um projeto muito interessante para essa área. Como acaba essa novela da Brasil Telecom? Acho que o processo vai ser revertido muito rapidamente. Vão vender para a Telecom Itália. O acordo que une os fundos de pensão e o Citi é inadministrável para a empresa. É como se um grupo de dez pessoas e amarrasse os sapatos para disputar uma maratona. Parabéns Tronquetti Provera (presidente mundial da Telecom Italia). O senhor é reconhecido pelo gerenciamento da empresa. E a parte política, o senhor faz alguma mea-culpa? Olha, quem colocou US$ 10 mil no Opportunity em 1985 tem hoje US$ 5,150 milhões de dólares. Não tenho mea-culpa a fazer. Meus adversários já tinham relacionamento mais sólidos do que os meus
Como o Opportunity conseguiu o controle das empresas com tão poucos recursos? O administrador de recursos faz exatamente isso. Fundo de private equity pode ser traduzido como fundo de participações privadas. É a mola que lidera a formação de capital nos países do primeiro mundo. A Costa Oeste americana é povoada desse tipo de iniciativa. Essa indústria hoje deve ter algo do porte de US$ 1 trilhão investidos. O Citi conversou com vários bancos e nos escolheu para fazer um fundo desse tipo no Brasil. Havia um regulamento do Banco Central americano que não permitia que o Citi detivesse totalidade de um fundo. O problema é que se raciocina de maneira errada. Não temos poder. Temos sim a função é traçar metas e gerar resultados
Qual a sua relação com o ex-diretor do BB Henrique Pizzolato? Não conheço o Pizzolato, nunca estive com ele. Não posso dizer se o vi uma vez ou nenhuma. Ele tinha sido muito agressivo contra nós e depois resolveu mudar. A sensação que me deu foi que ele ficou contra o Sérgio Rosa, e não a meu favor .
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Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, setembro 22, 2005
O Estado de S Paulo entrevista Daniel Dantas
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