Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 22, 2005

MIRIAM LEITÃO Pelos atalhos

o globo

A vida é muito curta para entender todos os complexos casos nos quais luta Daniel Dantas. Normalmente tentar compreender as razões que o tornaram uma pessoa tão controversa leva a vários atalhos recheados de casos interessantes. Ontem ele fez isso na CPI: foi conduzindo todos por alguns dos atalhos, a maioria deles levava para longe do assunto investigado pela Comissão e para perto do governo Fernando Henrique.
Isso era tudo o que o governo queria e que a oposição detestaria. Houve um momento em que parecia ser uma CPI sobre o inferno de Dantas. Os dois lados se enfrentaram e a briga se generalizou envolvendo petistas, peessedebistas e ex-petistas expulsos. Quando a coisa ia para o tapa, a sessão foi suspensa. O depoente, em silêncio, apreciava a cena.


Nos últimos anos, Dantas apareceu sempre no meio de controvérsias e brigas judiciais entre sócios. Em umas, teve razão; em outras, não; mas perdeu a batalha da comunicação e virou figura legendária e mitológica a quem se atribui a arquitetura de todos os fatos inexplicáveis. Virou o suspeito usual.

O primeiro atalho escolhido por ele ontem levou ao rumoroso caso da compra da CRT pela Brasil Telecom. Para fazer curta uma longa história, o fato é que Daniel Dantas queria pagar US$ 730 milhões e a Telecom Itália e os fundos, US$ 850 milhões. Quem ganharia com isso seria a Telefônica. As razões que levavam o comprador a querer pagar mais nunca ficaram esclarecidas. Os parlamentares foram seduzidos por essa primeira história, que é realmente muito boa. Os governistas gostaram mais ainda porque ele disse que houve interferência do governo Fernando Henrique e que foi pessoalmente pressionado pelo governo e pela Anatel a fechar o negócio.

Um segundo atalho foi o caso da Newtel. Daniel Dantas contou que os fundos tentaram dissolver a empresa, que tinha o controle da Telemig e da Amazônia. Se fosse dissolvida, perderiam o controle, portanto seria estranho, pois aumentaria o poder de uma empresa canadense, a TIW, que tinha 49% do capital, mas, como estava fora do bloco de controle, não mandava nada. Os canadenses e os fundos se uniram contra Daniel. Na época, os fundos me explicaram que, na compra, havia sido feita a promessa de um acordo de acionistas. O tempo passou e o acordo não veio. Sem o acordo, Daniel tinha poderes ilimitados, mesmo tendo investido pouco capital.

Houve então um atalho do atalho: Daniel explicou ontem que os fundos não tinham por que reclamar maior participação na administração, porque o Opportunity é especializado em administrar recursos de terceiros; é assim que se faz no mundo inteiro. Disse que sempre houve interferência política nos fundos e, por isso, eles queriam ter ingerência nas empresas.

Outro atalho foi a compra da Vale. O assunto levava, de novo, para longe do valerioduto. O Bradesco fez a avaliação da Vale e depois comprou a empresa por meio de uma operação montada por Daniel Dantas. Normalmente quem avalia não pode comprar. Mas, na época, foi feita uma operação assim: Daniel emitiu debêntures de uma empresa que foram subscritas pelo Bradesco e essa empresa comprou a participação na Vale. Ele repetiu lá o que me disse na época: que consultara o BNDES e o banco nada tinha objetado.

Todos casos intrincados e bem longe do valerioduto: ocorridos no governo Fernando Henrique. O único problema atual é a quantia que pagou às empresas de Marcos Valério. Ele afastou logo o assunto: só viu Marcos Valério uma vez; notou-o porque estava com uma roupa colorida, o que o tornava um tipo exótico. Segundo Dantas, o que a Telemig e a Amazônia pagaram a SMP&B e DNA foi por serviços de publicidade; ele se prontificou a detalhar tudo. Só hesitou quando perguntado pelas notas fiscais incineradas. Outro detalhe que contou do governo atual foi ter sido pressionado pelo então presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, a abrir mão de seus interesses nas telefônicas em favor dos fundos. Cássio teria dito que era essa a vontade do governo. Ele relatou a conversa ao ministro José Dirceu, que reagiu dizendo que o governo não tinha por que se envolver nisso. Dantas também acusou Gushiken de ter tentado influenciar os fundos de pensão. A pior acusação que fez ao atual governo ficou sem sujeito: disse que soube pelo Citibank que um negócio que o banco fez com os fundos foi aprovado "pelo mais alto nível" do governo.

Cada explicação pareceu muito convincente, principalmente quando exibiu os lucros das empresas que controla. O que alimenta a dúvida é a soma dos problemas. Ele brigou com os fundos, com a Brasil Telecom, com a TIW, com o Citibank; sem falar em outras brigas com sócios menores. Suas histórias capturaram o plenário durante a maior parte do depoimento e a CPI foi se afastando do fato investigado.

Para falar a verdade, é mais cômodo dizer que foi Daniel Dantas que alimentou o valerioduto do que investigar as relações promíscuas entre o governo e o PT. Dantas já tem fama de culpado. Mas ele aproveitou o palco para contar o seu lado de velhas brigas. Foi um dia cheio, que teve ainda a renúncia do presidente da Câmara e a pesquisa do Ibope mostrando que a maioria não confia no presidente.

No mercado financeiro, como se estivesse em outra galáxia, a bolsa bateu recorde, o dólar caiu mais e o rumor era de que o Brasil pode receber uma promoção dada pelas agências de risco.

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