Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 22, 2005

AUGUSTO NUNES Tiros de festim no purgatório


Fundada e dirigida por Nelson Jobim, que acumula tais funções com a presidência do Supremo Tribunal Federal, a Pastoral dos Pecadores adiou o julgamento de parlamentares petistas "para permitir-lhes o exercício do direito de ampla defesa". Por falta de juízo ou excesso de esperteza, os generais do partido leram o recado pelo avesso. Em vez de fortalecer as débeis linhas defensivas, resolveram atacar inimigos imaginários. Com balas de festim.

A senha para o contra-ofensiva veio na segunda-feira pela voz de Tarso Genro, comandante do partido desmoralizado por companheiros bandidos. "A crise alcançou um estágio cujo intuito é criminalizar o PT, que tem 25 anos de luta a serviço da democracia e um projeto de nação", proclamou o presidente interino.

A declaração de guerra, paradoxalmente, formalizou a capitulação de Tarso Genro, que deixou o Ministério da Educação decidido a "refundar o PT". Para tanto, deveriam ser afastados da cúpula o chefão José Dirceu e seus comparsas. Assim começaria a faxina inadiável, que exigia outras audácias saneadoras. Criminosos confessos seriam sumariamente expulsos. Parlamentares que renunciassem ao mandato para escapar à cassação não poderiam candidatar-se em 2006. E mais, muito mais.

"Hoje, não vejo motivos para que alguém vote no PT", disse Tarso à Folha de S. Paulo. Mas Tarso perdeu o duelo com Dirceu, que o impediu de disputar a presidência com o apoio do Campo Majoritário. E agora se rendeu à incoerência: é penoso vê-lo envolvido na contra-ofensiva desenhada por comandantes insensatos. Os oficiais disparam contra alvos imaginários para fugir à desoladora evidência: os inimigos verdadeiros estão infiltrados no exército petista. Dormem a seu lado.

Aos soldados que ainda não desertaram, faltam causas, bandeiras, ânimo. Têm mais tino que os chefes, como se viu no decorrer da segunda-feira. Ao toque de clarim soprado por Tarso Genro, seguiu-se o som da lira do delírio dedilhada pela direção do partido. Os mandarins produziram um documento que, beligerante na forma e patético no conteúdo, remete para outras freguesias a culpa pela crise amazônica.

"Os partidos de oposição, com a ajuda do golpismo midiático, pretendem inviabilizar o mandado legítimo do presidente Lula", fantasiam os redatores do papelório. Quem chefia manobra tão ardilosa? "Líderes políticos vinculados às eras Collor e FHC", alega a turma que comprou a adesão de colloridos históricos, como Roberto Jefferson, e negociou a presidência do Senado com Renan Calheiros, ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso.

O que planejam, afinal, os arquitetos da trama? "Recuperar o poder e retomar os reiterados ataques ao patrimônio público", resumem os articuladores do maior e mais abjeto assalto ao Estado brasileiro. Um trecho do documento repete a versão de Tarso Genro. "A oposição pretende criminalizar o PT como organização partidária", insiste a executiva. "E fazer o povo esquecer a corrupção sistêmica que a elite implantou neste país".

A corrupção em escala federal, conceda-se, não foi inventada pelo PT. Mas a história republicana jamais registrou algo parecido com o Pântano do Planalto, a mais impressionante proeza do grupo que chegou ao poder pendurado no estandarte da ética na política. Nunca se roubou tanto como no governo que chegou para acabar com a roubalheira.

Fuzilados pela gargalhada nacional, os generais foram recolhidos já na terça-feira aos quartéis dos quais os soldados nem haviam saído. O barulho no purgatório só serviu para escancarar o medo do inferno que o PT conhecerá nas eleições de 2006. Em cada urna, há uma demônio à espreita dos assassinos da esperança.

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