Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 20, 2005

MIRIAM LEITÃO Velhos dilemas

O GLOBO

O risco de não se conseguir nada em agricultura durante a Rodada Doha é muito grande. Quem diz é o embaixador José Alfredo Graça Lima, chefe da missão do Brasil junto à Comunidade Européia. Apesar disso, ele acha que o país deve discutir, sim, uma nova etapa da abertura comercial, com o objetivo de aumentar a própria competitividade. "Tarifa alta nunca foi um trunfo, sempre foi uma desvantagem difícil de intercambiar", afirma.
Ontem a Camex se reuniu para decidir sobre a posição que o Brasil vai tomar na preparação da reunião de ministros em dezembro na OMC. O tema, como sempre aconteceu, divide o país, o governo, os empresários. Discutir abertura no Brasil é sempre um dilema. Mas esse é um assunto inevitável. No governo, a proposta da Fazenda de fazer uma forte redução de tarifas provocou arrepios e foi, propositadamente, divulgada pelos seus adversários para provocar as reações de protestos.


Longe de tudo isso, Graça Lima vê de outra forma. Experiente negociador comercial, o embaixador já teve que justificar o injustificável: o sólido bloco de barreiras que o Brasil tinha até o fim da década de 80. Ele defende que o país abra mais, pelos nossos interesses:

— Um plano de corte tarifário equilibrado ao longo de dez anos, nos moldes do que está sendo oferecido pelo Mercosul à União Européia nas tratativas birregionais só trará mais benefícios para a economia e a sociedade brasileiras. O risco de atrelar a liberalização às negociações multilaterais está no fato de que, se as negociações, por qualquer motivo, não se concluem, o país adia a medida, perde a oportunidade de aumentar sua produtividade, há o influxo de investimento e mantém-se um grau de proteção elevado para alguns setores, contribuindo, dessa forma, para a concentração da renda e a má repartição dos frutos do crescimento.

Esse ponto final do argumento de Graça Lima é sempre esquecido pelos defensores da manutenção da proteção: ela concentra a renda. Quem paga o preço do conforto dado aos empresários é o consumidor.

O embaixador admite que atrelar a redução tarifária a um processo negociador tem duas vantagens: o custo político é menor e o país consegue vantagens em troca. Por outro lado, o risco de atrelar é o de adiar ajustes que são necessários por razões internas. Até porque há o risco de que o Brasil não consiga o que quer em Doha, que é a eliminação de barreiras agrícolas.

— A União Européia só assume compromissos multilaterais de eliminação de subsídios à exportação se os Estados Unidos também se comprometerem a eliminar todas as formas ostensivas e disfarçadas de subsídios, o que é improvável na vigência da Lei Agrícola americana — comenta Graça Lima.

Caso os EUA aceitem, a Europa iria já fazer concessões. O risco é que a Europa está pedindo, por essas medidas que serão tomadas de qualquer jeito caso haja acordo com os Estados Unidos, que sejam aceitas quotas nos produtos sensíveis.

— Aí está o verdadeiro risco, porque essas quotas nada mais são do que restrições quantitativas proibidas pela Rodada Uruguai.

Ou seja, o Brasil tenta preparar sua proposta imaginando que vai conseguir vantagens na área agrícola, e não vai. Contudo essa constatação não deve levar à conclusão de que não se deva abrir mais:

— As cartas já estão sobre a mesa e o Brasil, a meu juízo, nada perde, ao contrário, em adotar políticas e medidas que promovam uma melhor inserção no plano externo, mais produtividade e mais competitividade no plano interno e até autoridade moral para exigir de seus parceiros o cumprimento das regras e disciplinas multilaterais, bem como dos objetivos do Gatt e da OMC — diz.

Este tema sempre foi complexo e tem vários lados. O embaixador concorda que os empresários têm razão de reclamar o alto custo de capital no Brasil e da carga tributária. Isso tem que ser discutido sem dúvida, principalmente o custo de capital. Não pelo comércio exterior, mas como única forma de retomar o crescimento de forma sustentada.

No princípio do processo de abertura, os argumentos das assimetrias entre o Brasil e os outros países também foram apresentados. Mesmo assim, a abertura foi sendo feita passo a passo. A primeira medida, tímida, foi no governo Sarney, com a reforma tributária de 1988. No governo Collor, foi eliminado o absurdo anexo C (lista de proibição de importações) da Cacex. Em 94, o acordo de Ouro Preto estabeleceu a Tarifa Externa Comum, o que consolidou o que fora feito no governo Collor. No governo Fernando Henrique, houve um recuo. Ele disse, numa entrevista ao jornalista Márcio Moreira Alves, que acabaria com a farra das exportações. Logo depois, foram elevadas as tarifas para automóveis, brinquedos, têxteis, entre outros. O setor de brinquedos teve alíquota de 70% numa proteção extra que durou oito anos e só agora está voltando ao nível normal. A de têxteis também foi retirada. Carros, eletrônicos, computadores ainda têm tarifas muito altas, como mostramos numa coluna recente.

Se o Brasil não tivesse aberto a economia, teria ficado totalmente ilegal no comércio internacional e não estaria hoje com a pujante balança comercial. Exporta muito quem importa muito. A China virou o que virou a partir do momento que abriu sua economia, no fim dos anos 70.

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