Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 08, 2005

MIRIAM LEITÃO Rede de vigilância

O GLOBO

O Brasil não é o único país do mundo a descobrir uma vasta rede de corrupção. A diferença é que aqui pune-se menos. Há casos notórios no mundo. E muito corrupto na cadeia. Há uma preocupação crescente com o tema. Instituições multilaterais estão montando redes de vigilância. Estudos de casos ajudam a construir táticas de investigação para proteger o interesse comum.
O mais conhecido dos casos é o da Itália, em 92, de uma dimensão sem precedentes na história da democracia. Tudo começou quando Mário Chiesa, um importante integrante do partido socialista, foi preso aceitando propina. O depoimento dele detonou uma série inacreditável de prisões de empresários, administradores públicos e políticos. O caso atingiu mais de 500 procuradores, vários ex-ministros, cinco ex-primeiros-ministros. De 92 a 96, foram indiciadas 2.392 pessoas acusadas do crime de corrupção.


Os riscos nesses processos são sempre os mesmos. O pior deles é se conformar com o crime. Logo no início do caso italiano, o líder socialista Bettino Craxi, em depoimento à Câmara dos Deputados, disse que "todos sabiam" que todos os partidos recebiam financiamento ilegal e que a corrupção era parte do sistema. Novos depoimentos de empresários e políticos mostraram que Craxi estava profundamente envolvido com a corrupção. Acuado, ele acusou integrantes de outros partidos para provar que o que fizera era um comportamento generalizado. Melhor dizendo, era feito "sistematicamente". Por mais vasto que tenha sido o processo de limpeza da política italiana, outros escândalos surgiram nos anos seguintes, provando que o combate à corrupção exige perseverança.

Uma segunda onda de escândalos surgiu em 95, quando administradores públicos foram acusados de usar recursos públicos para fins privados. Por esse escândalo, foram processadas 2.700 pessoas. Mas em 2001 surgiu um novo escândalo quando o diretor-geral de um hospital público foi apanhado recebendo propina e alegou que era para cobrir "custos de políticos". Em 2002, 20 pessoas foram presas por envolvimento num caso de corrupção no Instituto Nacional de Seguros.

Na Alemanha, o caso mais conhecido foi o do ex-chanceler Helmut Kohl, em 1998. Revisitá-lo ensina que certas coisas mudam apenas de endereço. O tesoureiro do CDU, partido do primeiro-ministro Kohl, foi apanhado por não declarar 500 mil euros que havia recebido de empresas. Ele se defendeu dizendo que tinha repassado o dinheiro para o partido, que não contabilizou a quantia na declaração ao presidente do Congresso. Kohl admitiu que recebera doação de mais de um milhão de euros de empresas e garantiu que o dinheiro havia sido usado para financiar os gastos do CDU. Um tesoureiro, um primeiro-ministro, dinheiro não contabilizado; tudo soa tão familiar! A população acreditou que Kohl não usara o dinheiro para fins privados, mesmo assim ele desapareceu da vida política alemã, juntamente com muitos outros líderes do partido.

O caso de Kohl não foi o único. Em 2002, o SPD, partido socialista de Gerhard Schroeder, envolveu-se no chamado "Escândalo de Colônia", quando se descobriu que 400 milhões de euros haviam sido gastos numa usina de queima de lixo que não era necessária, fora superdimensionada e superfaturada. Quatro milhões foram pagos a funcionários que aprovaram a obra e 400 mil euros foram doados em agradecimento ao partido socialista. Este caso também soa familiar. Tem até lixo!

Aflições assim têm sacudido outros povos e, contra a chaga da corrupção, alguns remédios estão sendo estudados com boa metodologia. O Banco Interamericano de Desenvolvimento criou o Escritório de Integridade Institucional. O órgão realizou em maio um encontro de funcionários de alto nível de 19 países para estudar o problema com base num caso fictício. Os participantes tinham de treinar táticas anticorrupção ao investigar o caso: num país chamado Cometa, um funcionário do setor de saneamento, Enrico Garcia, recebe propina de uma empresa estrangeira, Gus van Saant, para fechar um contrato lucrativo numa obra de dragagem de um rio. Adivinhem através de que empresa a propina foi paga? Da empresa de publicidade, a Soleil Publicidad. Tudo, até a ficção, soa familiar.

Outras instituições multilaterais estão montando departamentos especializados em combate à corrupção. Durante a reunião do BID, José Ugaz, um dos integrantes da equipe do escritório especializado do Banco Mundial, contou como ele, no papel de principal procurador do caso Montesinos-Fujimori no Peru, fez a investigação. O escândalo foi detonado por uma gravação de Vladimiro Montesinos, eminência parda do governo Fujimori, dando US$ 15 mil a um deputado que saiu da oposição para entrar na base do governo. Ao ser descoberto, o deputado disse que o dinheiro era para pagar gastos de campanha. Tudo tão familiar! A investigação descobriu uma vasta rede de dinheiro ilegal. Hoje 120 pessoas estão presas e, graças à cooperação de governos estrangeiros, US$ 170 milhões foram recuperados.

O estudo de casos de outros países mostra uma monótona repetição de esquemas, desculpas e truques. Os casos são espantosamente parecidos. As redes de vigilância da sociedade deveriam se aproveitar disso para construir, também, remédios universais.

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