O ESTADO DE S PAULO
Todos concordam na essência: a economia americana vai desacelerar um pouco e deve crescer em torno de 3,6%. Mas discordam quanto ao efeito do furacão Katrina sobre o nível de empregos e o preço do petróleo. Alguns dias após o desastre, os economistas viam um cenário mais claro. "As conseqüências finais podem vir mais tarde e ser mais profundas do que admitimos hoje", afirmou Gordon Fowler, do Glenmed Trust, na Filadélfia, refletindo o pensamento geral dos menos otimistas, ou melhor, dos cautelosamente pessimistas.
"O consenso do mercado é de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) está mais próximo do que antes do furacão de pôr fim à política de alta do juro. Eu não vejo os preços da energia tendo um impacto mais significativo sobre a economia, causando uma recessão", respondia Chris Conkey, do Evergreen Investments.
Ontem, o secretário do Tesouro, John Snow, colocou-se entre os menos pessimistas. Admitiu um recuo de 0,5 ponto. Estima também que o furacão deverá desempregar 400 mil pessoas. Mas quanto o governo irá gastar nas obras de socorro imediato, já em curso, na reconstrução de casas, prédios, pontes, estradas? Ontem, Bush pediu ao Congresso a liberação imediata de mais US$ 50 bilhões, além dos US$ 10,6 bilhões para intensificar o trabalho de remoção dos flagelados.
Assim, os gastos para socorro elevam-se a US$ 60,6 bilhões. Mas é apenas o começo.
Nossa estimativa preliminar do custo do socorro era de US$ 100 bilhões, mas, ontem, nas primeiras horas, esse valor já estava em US$ 150 bilhões e, mais no fim da tarde, US$ 200 bilhões. Os coordenadores do governo informam que só com o socorro imediato, a remoção e o atendimento às necessidades mínimas de sobrevivência dos flagelados estão sendo gastos entre US$ 1 bilhão e US$ 2 bilhões por dia.
Não há ainda uma estimativa de quanto custará a reconstrução das áreas atingidas e recolocação das famílias que perderam tudo o que tinham, desde a casa até o emprego. O que se tem como certo é que essa recuperação total irá exigir dezenas e mais dezenas de bilhões de dólares. Isso representará também a criação de milhares de postos de trabalho, superando, nos próximos meses, os 400 mil empregos agora fechados na região.
O setor mais beneficiado será o da construção civil, que há mais de 3 anos aumenta e sustenta o crescimento da economia americana. Na última semana começava a dar sinas de exaustão. Agora, terá um novo vigor e poderá trazer surpresas agradáveis aos desempregados em meio a esta tragédia.
PETRÓLEO
Todos concordam que, seja qual for o preço pago pelo Katrina, a economia americana não caminha para uma recessão. A região flagelada representa 2% do PIB nacional e 5% do consumo nacional de petróleo gerado no país. E ontem algumas refinarias já operavam. Importantes oleodutos, como o Colonial, transportavam plenamente petróleo, gasolina e ou refinados. A retomada de produção é mais rápida do que se previa. O preço do petróleo e de derivados é por demais atraente para que fiquem parados contando prejuízo.
CHOQUE JÁ PASSOU
O economista-chefe da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Jean-Philippe Cotis, não há o que falar no próximo choque do petróleo, pois ocorreu quando os preços pularam de US$ 30 ou US$ 40 para mais de US$ 70. "O nível atual está muito mais alto dos preços do petróleo nos choques da década de 1970 (crise no Irã, em 1979, e o boicote árabe, em 1972), que levaram o mundo a uma profunda recessão. Nada disso está acontecendo agora.
A situação continua tensa, mas é uma "tensão controlada". Ontem, liderados pela Arábia Saudita, os países da Opep decidiram aumentar a produção. Antes do Katrina, o preço estava esbarrando US$ 71 e caiu para US$ 65 ontem. É um preço alto por causa principalmente do aumento da demanda da China e dos Estados Unidos, maiores consumidores mundiais. Mas eles continuam crescendo sem sentir o choque, que já passou.
Mas o clima no mercado petrolífero ontem era de expectativa. Há 30 milhões de barris da Agência Internacional de Energia entrando no mercado, nos próximos 30 dias, e dois fatores de pressão: 1 - é a partir de outubro que as empresas começam a refazer os estoques para enfrentar o inverno nos países do Hemisfério Norte; 2 - haverá, nesse mesmo período, a necessidade de refazer os estoques estratégicos dos EUA e dos países que o estão socorrendo neste momento.
Considerando esses dois fatores, a analista sênior em energia no Société Generale de Paris, Deborah White, conclui que "a base dos preços do petróleo moveu-se para cima": os novos referenciais de preços partem de US$ 50 ou US$ 60. Pode passar de US$ 70? Provavelmente não, mas ninguém esperava que, mesmo com a guerra inacabada no Iraque, ele chegasse a esse nível.
De qualquer forma, o fato novo e mais importante é que as principais economia mundiais, e aí incluo o Brasil, conseguiram absorver sem traumas o aumento do preços do petróleo. O choque já passou e a economia mundial soube muito bem absorvê-lo
Entrevista:O Estado inteligente
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