O GLOBO
A política econômica teve esta semana alguns bons dados para mostrar: a queda da inflação no atacado pelo quarto mês seguido e o crescimento do PIB acima do esperado no segundo trimestre. Mesmo assim, continuou sendo atacada; o que já é rotina. Na semana, o ministro Palocci deu duas demonstrações públicas de apoio a Henrique Meirelles e à ultracriticada política de juros. Estarão o Banco Central e a própria política econômica em risco se Palocci sair do governo?
No governo, garante-se que não. As escolhas feitas pelo governo Lula, contra a opinião de tantos dos seus economistas e dirigentes, estão agora em plena época da colheita: daqui para diante, os juros tendem a cair, o ritmo da economia a melhorar, o que levará a mais emprego e renda. Com a melhora de todos os indicadores externos, o câmbio deve ficar estável, podendo subir um pouco pela pressão das importações (que estão se elevando), o que é considerado normal pelo movimento produzido pelo câmbio flutuante. Isso significa entrar no ano eleitoral de 2006 com um bom cenário econômico, o que favorece o país de forma geral, mas, em particular, quem está no governo. A economia terá feito sua parte de garantir um cenário mais tranqüilo que o da eleição de 2002. As incertezas e os temores que começam a se formar sobre a eleição polarizada do ano que vem nascem todos na política; e não na economia.
O chefe de gabinete do ministro da Fazenda foi ao Congresso, defendeu o chefe, pediu demissão para não causar transtornos pela sua proximidade em relação a um dos suspeitos de recebimento e pagamento de propina. Porém apresentou um argumento frágil para explicar as confissões de seu grande amigo: Buratti falou sob constrangimento. O Brasil viu que Buratti, muito à vontade na CPI, repetiu tudo o que dissera e ainda afirmou não se sentir constrangido.
No Banco Central, os dirigentes mostram uma absoluta tranqüilidade em relação ao rumo da política econômica em si. Henrique Meirelles, quando foi convidado para ser presidente do BC, recebeu do presidente Lula a informação de que ele comandaria uma instituição com independência para fazer suas escolhas técnicas. Inicialmente, Meirelles manteve os dirigentes remanescentes do governo anterior, inclusive a criticada diretora de Fiscalização, Tereza Grossi. Depois, foi gradualmente substituindo por outros que escolheu no meio técnico. O Banco Central de Lula tem feito suas escolhas mensais de juros sob intensa crítica de políticos, economistas e ministros do governo e do PT, mas, garantem seus dirigentes, sob absoluta liberdade de fazer a escolha que o Copom julgar ser a correta. Só faltou uma coisa: a autonomia de direito.
Durante o seminário sobre o 6 aniversário das metas de inflação, o economista de Harvard, ex-FMI, Kenneth Rogoff comparou a situação à de um rapaz que promete casamento seguidas vezes, mas não sai disso. Depois de alguns anos, levanta-se a suspeita sobre as suas intenções. Assim é o Brasil que, nem durante o governo Fernando Henrique, propôs a transformação do Banco Central em uma instituição independente, ou autônoma, como se prefere no Brasil. Enquanto isso, na maioria dos países vizinhos, o BC já é independente. Isso ajudaria a afastar os temores de que a orientação da instituição seja dependente de conjuntura política.
Os dirigentes do Banco Central, confrontados com o grande calcanhar-de-aquiles da sua política, os maiores juros reais e nominais do mundo, costumam desfilar diante do interlocutor a série de gráficos que trazem sempre à mão. A relação dívida pública caiu de 62% para 51%; a dívida corrigida pelo câmbio foi de 40% para 5%; a taxa de juros real ex-ante (deflacionada pela expectativa de inflação do mercado) era de 21,4% no primeiro FHC, caiu para 15,9% no segundo e ficou, em média, 12% no governo Lula, até agora; a taxa real ex-post (descontada a inflação efetivamente ocorrida) caiu de 21,4% para 14,8% e, após, para 8,9%; a inflação tem caído a cada ano: 12% em 2002, 9,5% em 2003, 7,6% em 2004 e este ano caminha para a meta de 5,1%. Ou seja, está sendo feita de forma gradual a melhora do passivo público herdado. Isso sem falar nos robustos indicadores externos.
Com números e gráficos, o BC vai sustentando a tese de que tem feito as escolhas técnicas que acha corretas e sem qualquer interferência do governo. O próprio Lula, no meio de suas invocações imprecisas de vultos da História e entendimentos equivocados das razões da crise, mostrou que tem a exata noção do que não fazer em relação ao Banco Central: chamar todos ao seu gabinete e decidir lá qual é a taxa de juros.
O Banco Central explica os juros gigantes como resultado de vários erros cometidos no passado que levaram a dívida brasileira a ser muito alta e de contradições ainda presentes na estrutura do crédito brasileiro. O empresário que pega dinheiro no BNDES paga juros de dez pontos percentuais abaixo da taxa básica. O agricultor que busca dinheiro no Banco do Brasil também paga taxas bem mais baixas. As fatias de crédito compulsório cobram taxas bem menores. Isso leva ao seguinte fato: só 1/3 do crédito livre brasileiro é afetado pela taxa de juros. Garante-se também no BC, diante dos gráficos provando o que dizem, que não é o Banco que faz os juros, mas o mercado. Se há incerteza e os juros caem, os de mercado sobem, e é essa taxa que influencia o nível de atividade. A tese por lá é que tudo tem que continuar sendo aperfeiçoado gradualmente por um Banco Central técnico e, se possível, um dia, independente.
Entrevista:O Estado inteligente
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