Ilimar Franco e Cristiane Jungblut - O Globo
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BRASÍLIA - O vice-presidente da República e também ministro da Defesa, José Alencar, saiu do PL nesta sexta-feira, segundo ele por causa da crise política. Alencar afirmou que se sente "contrariado e desconfortável" diante das denúncias envolvendo políticos do PL e de outros partidos. O vice confirmou seu descontentamento com a proposta do PL de rediscutir o apoio ao presidente Lula. Ele argumentou que não poderia concordar com isso.
- Essa situação, essa grave crise política nacional tem me trazido grande contrariedade e desconforto. Estou realmente passado com essa situação que está ai. Sempre tive a minha consciência de que a vida pública é de doação, de sacrifício, onde não há espaço para que ninguém se utilize dela para locupletar-se ou para exercer qualquer atividade ilícita. Isso me aborrece profundamente e essa é a razão principal de minha desfiliação - disse Alencar ao sair de seu gabinete às 22h.
O vice disse que "tem esperança de dias melhores" para o país.
- A questão dessa crise nos atinje a todos. Não sei se é porque sou muito desconfiado, mas, quando saio hoje, fico preocupado que as pessoas estejam olhando para mim. Fico achando que eles estão olhando para mim meio de lado, de banda. Porque as pessoas, quando vêem passar um homem público, têm todo o direito de pensar que está passando alguém que cometeu algum tipo de ilícito. Infelizmente, temos assistido a isso no Brasil e isso tem me trazido contrariedade e desconforto. Nào digo desalento porque a esperança é a última que morre - disse ele.
Alencar se reuniu à tarde com o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, para acertar sua desfiliação. Ele evitou críticas a Valdemar, afirmando que ele já era presidente do partido quando ingressou na legenda. Alencar comunicou o fato ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em conversa nesta sexta-feira. Ele disse que não é candidato a nada em 2006 e desconversou sobre sua próxima legenda.
- Estou dizendo a informação de hoje (que não vai se filiar a outro partido). Amanhã é outro dia - disse Alencar, que é cobiçado por PDT e PMDB.
O presidente do partido, Valdemar Costa Neto, confirmou que Alencar avisou de sua decisão à tarde. O ex-deputado, que renunciou ao mandato há poucas semanas por causa da ameaça de cassação, revelou outros dois motivos que supostamente contribuíram para a saída de Alencar do PL: a rejeição pelos parlamentares do partido (40 votos a 1) à proposta de fusão com PP e PTB; e a destituição de José Vasconcelos da presidência do PL de Minas Gerais.
Três dias atrás, o vice-presidente da República negara rumores de sua saída do PL. O próprio Valdemar Costa Neto seria um motivo de desconforto para Alencar, que não estaria feliz com a permanência do ex-deputado na presidência do partido. Costa Neto renunciou ao mandato de deputado devido às denúncias de envolvimento no esquema do mensalão.
- Em época de guerra, boato é como terra. Por enquanto isso não me passou pela cabeça. É claro que não costumo dizer que dessa água não beberei, mas isso não significa que esteja pensando em trocar de partido - afirmou Alencar na terça-feira sobre sua saída do PL.
Como Valdemar forçou Alencar a sair do PL
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Por volta das 18 horas de hoje, o ex-deputado Valdemar Costa Neto, presidente do PL, entrou no gabinete do vice-presidente da República, José Alencar, para uma reunião agendada ontem. Ela serviria para que Alencar aprovasse o texto que deveria ler no programa de propaganda do PL no rádio e na televisão a ir ao ar no próximo dia 19.
- Valdemar, me criou um profundo mal estar o resultado do encontro do partido nesta semana - queixou-se Alencar.
Referia-se ao encontro que reuniu na última quarta-feira na sala 10 do Hotel Nacional os 50 deputados federais do PL e os quatro senadores. Entre as 10 horas da manhã e às 16 horas, eles discutiram o futuro do partido e a maneira como deve continuar se relacionando com o governo Lula.
Foi pau puro no governo. Alencar estava presente. Não houve um só deputado ou senador que tenha saído em socorro do governo. A certa altura, o senador Crivela (RJ) sugeriu a fusão do PL com o PP de Severino Cavalcanti e o PTB de Roberto Jefferson. Alencar encampou a sugestão.
Submetida a voto, a sugestão foi derrotada por 40 a 1. Àquela altura, parte dos deputados tinha ido embora.
- Estou sentindo que o partido quer romper com o governo. E eu fui eleito para esse governo - disse Alencar a Costa Neto tão logo o presidente do PL se acomodou num sofá de dois lugares do gabinete do vice ao lado do ministro Alfredo Nascimento, dos Transportes. Alencar sentou numa poltrona. Em poltrona defronte a dele, sentou seu chefe de gabinete, Adriano Silva.
- Presidente, o que o senhor ouviu foi a manifestação da totalidade do partido. Ouviu o que o partido pensa do governo Lula. Um governo que gasta muito com o serviço da dívida e investe pouco. Esse governo acabou, presidente. O ministro dos Transportes é do PL, mas ele não tem dinheiro prá nada. As estradas estão esburacadas. Nossos deputados vivem ouvindo reclamações e não sabem o que dizer às suas bases - respondeu Costa Neto.
- Mas Valdemar, eu fui eleito por esse governo - argumentou Alencar.
- Então escolha, presidente: fique com a maioria do partido ou então se sinta liberado para sair.
Alencar calou-se. Ficou olhando para Costa Neto. Olhou também para o ministro e para o chefe do seu gabinete.
- Se o senhor tiver que ir, que vá logo. Só tenho até o próximo dia 30 para reorganizar o partido - disse Costa Neto.
Termina no dia 3 de outubro o prazo para que parlamentares troquem de partido e possam disputar as eleições de 2006.
- Eu já fui procurado pelo Garotinho - contou Costa Neto. "E existe a solução Itamar Franco e Sarney".
- Sarney? Por que Sarney? - perguntou Alencar.
- Porque quando vier o pedido de impeachement não será apenas contra Lula, mas também contra o senhor. Porque os dois serão acusados de crime eleitoral. E aí haverá um presidente para cumprir o resto do mandato. E Sarney é candidato - retrucou Costa Neto.
- Eu não tinha pensado nisso - admitiu Alencar.
- É bom que pense - retrucou Costa Neto.
O vice-presidente pediu que a conversa fosse mantida em segredo até a próxima terça-feira. Ele precisava de algum tempo para consultar amigos.
- Não, presidente. O senhor vai falar com amigos e a notícia vai acabar vazando. Quando eu sair daqui, telefonarei para cada deputado e senador do PL informando sobre nossa conversa.
Dito e feito. Mal deixou o gabinete de Alencar, Costa Neto começou a disparar telefonemas onde antecipava a saída do vice. Criou um fato consumado.
Por enquanto, sem destino
O vice-presidente da República José Alencar foi para a reunião do PL no Hotel Nacional em Brasília, na última quarta-feira, com uma missão que Lula lhe conferira: a de defenestrar Valdemar Costa Neto da presidência do partido.
Costa Neto renunciou ao mandato de deputado federal com medo de ser cassado. Confessou ter recebido pouco mais de R$ 6 milhões de Marcos Valério para pagar despesas do PL nas eleições de 2002. Valério disse que entregou a Costa Neto R$ 10 milhões.
Lula quer distância de Costa Neto desde que ele contou em entrevista à revista Época e, depois, em depoimento na CPI do Mensalão que usara o dinheiro de Valério para pagar despesas da campanha de Lula.
Alencar não deu conta da missão de derrubar Costa Neto. E pior: viu os 50 deputados federais do PL e três dos quatro senadores baixarem o cacete no governo. Concluiu então que deveria deixar o partido antes que o partido deixe o governo.
Mas foi Costa Neto quem precipitou a saída de Alencar durante reunião ontem à noite na sede da vice-presidência. Costa Neto está mais ou menos acertado com Garotinho para levar o PL a apoiá-lo como candidato à sucessão de Lula.
Quanto a Alencar, esse ainda não sabe para qual partido deverá ir. O PDT quer o passe dele - mas o PDT faz oposição ao governo. Para o PMDB não poderá ir - porque o PMDB em Minas Gerais é Itamar Franco. Para o PT, nem pensar.
O sonho de Alencar é concorrer ao governo de Minas em 2002.