Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 04, 2005

MERVAL PEREIRA A força da mobilização

O GLOBO 
continuação de  Por que caem os presidentes



A força da mobilização

A professora Kathryn Hochstetler, do Departamento de Ciência Política da Universidade do Estado do Colorado, autora do trabalho "Repensando o presidencialismo: contestações e quedas presidenciais na América do Sul", que está sendo apresentado na reunião anual da Associação Americana de Ciência Política, diz que "os protestos de rua são decisivos nos estágios finais de um processo contra um presidente".

Até agora, ela considera que "os protestos têm sido muito pequenos para um país do tamanho do Brasil. Nenhum presidente em lugar nenhum da América do Sul cai com protestos tão pequenos", ressalta.

Ela lembra que os protestos contra Collor tiveram até um milhão de pessoas, e os índices de popularidade dele caíram abaixo dos 10% no seu último ano. "Parece que os brasileiros estão esperando os resultados das investigações contra Lula antes de sair às ruas", imagina ela. A professora acha que será interessante saber se continuará a haver protestos de rua contra e a favor do governo: "Esse tipo de situação é muito raro, porque geralmente ninguém defende um presidente", avalia.

Segundo ela, protestos duplos aconteceram somente com Chávez na Venezuela e Cubas no Paraguai, "e resultaram em alto nível de violência e um sentimento ampliado de crise". Segundo seu estudo, "a presença ou ausência de protestos populares de rua é basilar para os resultados de confrontos com presidentes: enquanto elites políticas tanto quanto massas populares têm tentado afastar presidentes prematuramente, todas as mobilizações bem-sucedidas de quedas presidenciais incluíram participantes da sociedade civil, que exigiam nas ruas a saída dos presidentes".

Ela contabilizou fracassos em todas as cinco tentativas de afastar presidentes que ocorreram exclusivamente no Legislativo. "Os protestos pelos participantes da sociedade civil, com ou sem ação legislativa paralela, parecem ser o poder moderador dos novos regimes civis. Isto marca a reversão de padrões anteriores, em que os militares desempenhavam este papel na região, com suas intervenções freqüentemente desencadeadas por protestos populares de rua".

A professora Kathryn Hochstetler diz que a importância central do protesto das massas populares nas quedas presidenciais "sugere a necessidade de maior reflexão sobre o papel do público no presidencialismo". Para ela, as discussões sobre o presidencialismo deixaram de examinar "as formas pelas quais a população pode evidentemente retirar o mandato que concedem, um fenômeno que se está tornando mais comum no cronograma da consolidação democrática".

O estudo mostra também que a evidência de corrupção pessoal "parece ligada a baixos índices de aprovação pública, que contribuíram para os protestos de rua. Desta forma, apenas 8% dos brasileiros consideravam o regime de Collor como bom no início do ano de seu declínio, enquanto Pérez, da Venezuela, baixou para o índice histórico menor de 6% de aprovação". O rápido impacto da corrupção na opinião pública pode ser visto no Peru, "onde o índice de aprovação de Fujimori caiu de 43% para 16%, depois que um vídeo mostrou claramente a corrupção de sua administração, apesar da longa boa vontade do povo peruano no sentido de aceitar seus abusos de poder".

Em contraposição, ressalta a professora, "enquanto a ação contra presidentes corruptos às vezes é rápida, o conjunto maior de casos mostra que muitos presidentes sobrevivem a graves alegações de corrupção pessoal: seis de 14 (43%) não contestados durante os seus mandatos, e apenas seis tendo sido afastados prematuramente do cargo". Outro ponto destacado pelo estudo: os legisladores que agiram por conta própria, "foram incapazes ou não tiveram vontade de afastar presidentes". Os protestos populares, portanto, "desempenharam um papel central nos resultados das contestações do Congresso a presidentes a partir de 1978 na América do Sul".

A professora Kathryn Hochstetler diz que em muitos casos "os legisladores pareciam calcular se as populações tinham maior tendência a puni-los por ação ou inação contra presidentes". Os protestos de rua em larga escala, "clamando pela saída do presidente, convenceram os legisladores a se inclinarem a agir contra eles". Os protestos têm também a capacidade de "transferir antigos partidários do presidente para a oposição, mesmo contra seus colegas de partido".

Para ela, os presidentes "deveriam assumir definitivamente que os legisladores e a população incluem o impeachment como parte do menu político, e escolher o seu comportamento em conseqüência disto". O processo de impeachment sempre tem sido "fundamentalmente um processo político do início ao fim". A tradução espanhola mais comum de impeachment, juicio político , "torna claro o duplo sentido da palavra. Literalmente julgamento político".

O fenômeno da queda presidencial sugere várias observações quanto ao Legislativo e seus relacionamentos, tanto com os presidentes quanto com o público, ressalta o trabalho. "Em eventos políticos extremos, como o afastamento do cargo, o Poder Legislativo emerge como mais forte na prática do que seria de se esperar em função de sua fraqueza relativa numa política mais normal". Em contrapartida, "só o presidente peruano Fujimori conseguiu fechar o Legislativo".

O estudo mostra também que as populações não se voltaram contra os legisladores da mesma forma que derrubaram presidentes. "Houve apenas dois casos de protestos em massa contra Congressos, as mobilizações do que se vayan todos (vão todos embora) na Argentina, após a queda de De la Rúa, e uma fúria semelhantes nas ruas do Equador em 2000 depois que o golpe sociedade civil/militar fracassou".


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