Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 03, 2005

Destroçam nossos valores Mauro Chaves

O ESTADO DE S PAULO
Seja qual for a espessura
da pizza que se põe para assar no forno das vaidades, covardias e resistências do Congresso Nacional (como a lista de 128 cassáveis encolheu para 18?) , há algo pior do que o suposto acordão: verdades escancaradas que são desqualificadas como se fossem mentiras candentes. Confissões de culpa que, da forma mais despudorada, se vão transformando em brados veementes de inocência. Tudo pode ser dito, feito, desdito e desfeito, sem nenhuma conseqüência - razão por que nada mais quer dizer coisa alguma. Tudo é indecentemente relativo.
Os criminosos que lesaram a coisa pública parecem imbuídos da máxima generosidade ao 'pedir perdão' pelo que re
conhecem que fizeram - de monstrando a plena confiança de que tal gesto magnânimo os livrará de maiores punições.
Realmente, há que reconhecer que o roubo cometido pela cambada de ratazanas que se tem apropriado do dinheiro suado do contribuinte, apesar de somar muitos milhões, é uma insignificância, se comparado ao imenso prejuízo causado à honra brasileira por essa insidiosa destruição de valores que vai tendo curso no mais tenebroso processo de desmoralização de nosso espaço público-político, do Descobrimento à República.
Para a nossa juventude, já imersa, naturalmente, em tantas perplexidades, num mundo altamente competitivo, no qual é obrigada a se inserir - se qui
ser fazer valer seu saudável pacto com a vida, que a leve a sobreviver e crescer -, o aniquilamento de tais valores significa a inoculação em seu espírito da descrença, do desânimo, da desesperança irremediável em relação ao próprio País.
Isso acontece porque nos cenários das CPIs vão desfilando as figuras que denotam os perfis mais distorcidos e escabrosos das profissões, da ética do trabalho, do mundo dos negócios, do meio político, do funcionalismo público e dos representantes dos Poderes, em todos os seus níveis e esferas.
Quando, aos jovens, o sr.
Marcos Valério é apresentado e insistentemente tratado co mo 'empresário', fixa-se na cabeça juvenil uma impressão avaliadora indelével: a de que ser 'empresário' é ter negócios e comportamento semelhantes aos daquele senhor.
Da mesma forma, o sr. Rogério Buratti personifica, para aqueles que ainda não têm a idéia exata da função das profissões, a qualificação profissional do 'advogado', assim como o sr. Delúbio Soares mostra o complexo serviço de quem exerce a função de 'tesoureiro', o sr. Maurício Marinho é a ilustração de um chefe de Departamento de Administração e Contratação de Material de uma importante estatal, o sr. Henrique Pizzolato - ridicularizado pelos companheiros porque ganha apenas R$ 40 mil mensais, como con fessou na CPI - representa uma carreira tão auspiciosa como a de dirigente de fundos de pensão, e assim por diante.
Em que profissão eu me darei melhor?, refletirá o jovem estudante com seus botões. Na do Valério? Na do Buratti? Na
do Delúbio? Na do Marinho? Na do Pizzolato? E o que dizer da possibilidade de crescer na profissão e lidar com muitos milhões, possuir mansões, carrões e tudo o mais, sem sequer saber articular uma frase em razoável português, surrupiando os esses do plural - do mesmo jeito que se esconde na mala (ou na cueca) o dinheiro sujo? E que tal escolher a profissão de secretária para virar dedo-duro do patrão e, como heroína cívica, tentar ganhar aquela grana posando nua para uma revista? Ou será mais profissionalmente promissor trabalhar em corretoras de valores para prestar serviços de lavanderia monetária e transacionar com paraísos fiscais? Sem dúvida, os desfiles nas CPIs podem funcionar como verdadeiros testes vocacionais para a juventude brasileira. Eles demonstram que para prosperar não precisa nada de 'ética do tra balho', nada de esforço pessoal de aprendizado, nada de conhecimentos técnicos ou especializações. Precisa apenas de esperteza, de capacidade de sonegar, de superfaturar, de burlar licitações, de potencializar trambiques, de extrair o melhor custo-benefício dos cambalachos, mutretas e ma racutaias, transacionados com os meios político-administrativos e os agentes dos Poderes de Estado.
Mas há outros valores que se vão tentando destroçar nesse perverso processo: os da ló
gica, os do raciocínio, os do simples bom senso. Em sã consciência, como é possível um governante, sob cujo governo se desenvolveu a mais avassaladora metástase de corrupção de que se tem conhecimento na História do País, tentar demonstrar sua eficiência no combate à corrupção, justamente exibindo a quantidade inacreditável de falcatruas descobertas em sua própria administração (no caso, as 552 frau des comprovadas na auditoria interna dos Correios)? É como se um médico se jactasse do efeito positivo de um remédio que prescreveu, destinado a combater doença gerada por seu próprio erro médico. Semelhante atentado violento ao raciocínio é um chefe de Estado e de governo, levado ao poder por um partido que deixou virar corrupto, alegar - sem enrubescer - que precisa conti nuar (no poder) para livrar esse partido da corrupção...
Na passarela das CPIs tem desfilado o bloco dos despreparados bem-sucedidos - graças ao roubo dos dinheiros públicos. Eles não deixam de refletir o despreparo que vem de ci
ma e podem conduzir a uma reflexão da juventude, no seguin te sentido: afinal de contas, 'de tanto ver triunfar as nulidades', por que não haveremos de fazer, desse mesmo jeito, uma tentativa? O único consolo é o efeito didático da própria crise - pois ela demonstra que nem sempre a substituição do esforço competente pela esperteza ignorante dá certo.?

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