Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 08, 2005

Mensalão ou caixa 2 Ives Gandra Martins

JB


Tem-me impressionado, nas discussões que se travam a partir dos depoimentos nas CPIs e das descobertas dos meios de comunicação, as cifras que foram pagas a empresas de publicidade a título de prestação de serviços jamais identificados, tanto pelo governo federal como por políticos dentro ou fora do governo, vinculados ao partido do presidente. Não se sabe se essa montanha de recursos seria destinada à compra de votos ou a assegurar a troca de partido por parte de parlamentares (mensalão) ou a abastecer o ''Caixa 2'' dos políticos e dos partidos que dão apoio à situação - ou seja, PT e sua base aliada - mediante ''doações'' ou ''empréstimos'' mal explicados.

Impressiona-me, mais ainda, todos preferirem a solução do ''Caixa 2'', o que se dá certamente por considerarem-na infração menor, não tão desfiguradora do caráter de quem a pratica como outras como o peculato, a corrupção, a concussão, a compra de votos e de aliados, que o ''mensalão'' implicaria.

Como modesto constitucionalista e especialista em direito tributário, creio que qualquer que seja a modalidade, ambas representam desvio de recursos do Erário (serviços não prestados ou superfaturados, empréstimos de favor, licitações ilegalmente dispensadas, transferências de ativos financeiros para instituições de menor expressão, pagamentos em dinheiro para uma lista infindável de parlamentares, assessores e partidos políticos, transferências de ativos para o exterior sem passagem pelo Banco Central, etc.) caracterizando pelo menos dois crimes: crime contra a administração pública (mensalão) e crimes contra a ordem tributária (Caixa 2).

Pela ótica fiscal, os recursos envolvidos deveriam ter origem e destino identificados para afastar a caracterização de crime contra a ordem tributária. A grande maioria dos beneficiários do ''mensalão'' ou ''caixa 2'' não tem como justificar a avalanche dos recursos. Ora, se não tem como justificar, uma de duas: ou tal dinheiro é efetivamente dinheiro público, fruto de um crime contra a administração, ou são recursos privados sonegados ao Fisco, o que configura crime contra a ordem tributária.

Prefiro não discutir a questão do mensalão - para mim com sólidos indícios de que ocorreu - concentrando-me na hipótese de Caixa 2. Têm os políticos beneficiados pela fonte Valeriana ou petista, declarado que tais recursos foram recebidos por eles, à margem da lei, para financiar campanhas eleitorais.

Vou admitir que estejam falando a verdade. Tirante o crime eleitoral, sob a ótica tributária, quem lhes pagou teria que ter origem, em sua declaração de renda, para efetuar tais pagamentos; os recursos recebidos representaram para os beneficiários um acréscimo patrimonial e teriam que ser declarados à Receita - como exige o fisco que façam aqueles candidatos que financiaram suas campanhas com recursos próprios, sujeitos ao imposto sobre a renda.

Admitindo que tais recursos não ficaram nos bolsos dos parlamentares, mas foram destinados a terceiros, tal alegação poderia ser comprovada mediante a identificação dos beneficiários pagos com tais recursos, que, ou teriam oferecido à tributação o que receberam, ou teriam, eles também, que declará-los perante a Receita e pagar o tributo que todo bom trabalhador ou profissional liberal paga.

Quem recebeu recursos e não tem como provar para quem repassou, e a que título o fez é, perante a lei, o beneficiário e deverá pagar o tributo correspondente. Se não o fizer, estará, ferindo a Lei 8137, que cuida dos crimes contra a ordem tributária, sobre estar sujeito a multas elevadas (75% a 150%), se não preferir pagar espontaneamente o principal e os consectários da mora de imediato - ou seja, antes de autuação, que tornará exigível também as multas punitivas acima referidas - com isto extinguindo sua punibilidade, no âmbito tributário.

Imaginei que a preferência pela caracterização do ''Caixa 2 sem declaração a SRF'' por parte dos envolvidos tivesse em vista essa possibilidade, já que apenas o crime tributário pode ser afastado mediante o recolhimento espontâneo de tributo, correção e multa moratória.

Se os beneficiários ou envolvidos que admitem a existência do ''Caixa 2'' agissem coerentemente com as alegações apresentadas e recolhessem, de imediato, o tributo correspondente com a sanção pecuniária correspondente à mora, isso, pelo menos, representaria um considerável reforço ao Tesouro Nacional, colaborando para que o indecente nível impositivo sobre o brasileiro venha a cair, no futuro. Resta saber se o governo está disposto a fazer a sua parte, ou seja, reduzir suas esclerosadas estruturas e cancelar todos os contratos de favor ou empregos concedidos sem concurso aos seus amigos, exatamente aqueles que transformaram em bem pessoal República (res publica) brasileira.

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