Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 06, 2005

LUÍS NASSIF Sofismas da planilha

FOLHA DE S PAULO
 
Dia desses , participei de uma mesa-redonda com três estudiosos que compartilham dos chamados princípios de mercado -o conjunto de idéias que costumam ser repetidas pelo chamado pensamento médio de mercado.
Menciono alguns dos argumentos mais comumente utilizados, chamando a atenção para o fato de que não podem ser generalizados, mas apenas apresentados como exemplo de alguns dos clichês mais comumente utilizados.
Diria que, hoje em dia, há analistas de mercado com pensamentos muito mais sofisticados. Mas o espaço maior ainda é dos cultivadores de clichês.
1) sobre a taxa Selic: antes de 1999, a taxa real era maior. Agora, estabilizou-se em 12%. Trata-se do sofisma das comparações indevidas. Tenho um peso de uma tonelada esmagando meu pé. Mas não tem problema porque no passado ele era de 1,2 tonelada;
2) juros altos na ponta: deve-se ao compulsório elevado, à baixa relação crédito/PIB, ao crédito subsidiado e à falta de um marco fiscal no governo. O país tem um dos mais elevados superávits primários do planeta, a elevação da relação crédito/PIB se deveu à redução das taxas de juros com crédito consignado. E não há um dado sequer que comprove a influência do crédito subsidiado no custo final do dinheiro para o crédito normal;
3) se o Brasil quiser crescer 5% ao ano, terá que ter uma taxa de investimento de 25% do PIB e um déficit em contas externas da ordem de 1% do PIB. Esse 1% representa a transferência de investimentos tecnológicos avançados. Trata-se aí do sofisma de tomar a conseqüência pelo objetivo. Se o país crescer, haverá um aumento das importações de bens de consumo, da transferência de tecnologia, podendo gerar um déficit em conta corrente suportável até 1% do PIB (Produto Interno Bruto). O que fazem os gênios da planilha? Supõem que, chegando a 1%, automaticamente todos os objetivos previstos serão alcançados;
4) câmbio baixo é bom para as exportações, porque permite importar insumos mais baratos, que servirão para venda externa. Vide caso Embraer. Nos aviões da Embraer, há um percentual de insumos dolarizados (sobre os quais o câmbio tem baixo efeito) e o que a empresa agrega de valor, que é em reais (tecnologia, mão-de-obra, design etc.). O gênio da planilha simplesmente suprime o componente de valor agregado e diz que o câmbio apreciado melhora as exportações. Por que será que, cada vez que o câmbio se desvaloriza, aumenta o lucro da Embraer, se o impacto do câmbio supostamente é neutro?
5) com apreciação cambial, há um barateamento do custo do investimento. Trata-se do sofisma das comparações absolutas. O custo do investimento não é um valor absoluto, mas uma resultante dos resultados que o investimento poderá gerar para a companhia. Se o câmbio apreciado reduz o custo absoluto das máquinas importadas, mas reduz também o preço dos bens exportados, o investimento permaneceu tão caro quanto antes. E o setor que vinha puxando investimentos era justamente o exportador.

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