Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 04, 2005

LUÍS NASSIF "Cobertura de caixa" e superávit

FOLHA DE S PAULO
 
Há uma discussão reiterada sobre a melhor maneira de medir o déficit público. O déficit público consiste nas receitas do Estado, menos as despesas operacionais, menos as despesas financeiras. A maneira adequada de medir a solvência de uma empresa ou do Estado (sua capacidade de saldar suas dívidas) é por meio de índices que relacionem todas as receitas e todas as despesas.
Economistas cabeças de planilha gostam do conceito de déficit primário -que exclui os juros dessa conta, como se advogassem o calote. A razão é outra: como não entram na conta do indicador que virou padrão (o primário), as despesas financeiras (e os juros) tornam-se variáveis autônomas. Pode-se definir a taxa de juros que quiser, sem nenhuma restrição, porque o déficit primário só leva em conta despesas e receitas correntes.
Economistas mais sofisticados propõem que se paute pelo conceito de superávit nominal -que leva em conta o serviço da dívida (pagamento de juros). Com isso, explicitaria-se o custo dos juros, obrigando as autoridades monetárias a atuar nas duas direções -tanto na redução de despesas operacionais como na redução do custo da dívida pública.
É um conceito muito mais correto, mas ainda assim sem a devida sofisticação para permitir um acompanhamento adequado da equação receita/total das despesas do governo.
Um especialista em reestruturação de empresas dá a receita. No mundo privado, os indicadores relevantes são "taxa de endividamento" de uma empresa (passivo total menos patrimônio liquido dividido pelo ativo total), sua "alavancagem financeira" (ativo total dividido pelo patrimônio líquido) e a "cobertura de caixa" (Lajida ou Ebitda dividido pelo resultado financeiro liquido, ou seja, pela diferença entre as receitas e as despesas financeiras apuradas).
A "cobertura de caixa" é o melhor indicador da capacidade da atividade de gerar caixa operacional para fazer frente aos encargos financeiros resultantes do endividamento. O consultor -que sempre a utiliza em seus processos de reestruturação de empresas- aponta três vantagens:
1) mede a capacidade da empresa de honrar suas dívidas passadas;
2) permite avaliar o perfil e a qualidade do endividamento passado. Suponha que a dívida tenha permitido ganhos de rentabilidade (investimento em redução de custos ou aumento de faturamento). Nesse caso, o indicador aumenta, isto é, melhora a "cobertura de caixa";
3) com uma melhor aferição da qualidade dos gastos, melhoram as condições de captação, pois a leitura do mercado será que a empresa sabe onde e como investir.
No setor privado, considera-se saudável uma empresa que tenha uma operação com "cobertura de caixa" de no mínimo três (gera caixa equivalente a três vezes os encargos financeiros).
No caso do país, a "cobertura de caixa" equivale ao superávit primário dividido pelos encargos da dívida pública. Nos últimos dez anos, jamais alcançou 1,0. Em 1995, era de 0,04. Em 1996 e 1997, foi negativo. Nos últimos anos, melhorou um pouco, mas deve fechar 2005 com 0,64. Uma das razões é o mau perfil da dívida pública -com cerca de 42% vencendo em 12 meses e um prazo médio de apenas 30 meses.
Os trunfos de um país, para reduzir o peso dos seus encargos, são muito melhores do que o de uma empresa -porque ele é o maior devedor da economia. Hoje em dia mesmo, se a taxa Selic caísse para 16%, os investidores continuariam aplicando em títulos públicos. Mas não basta.
Com a pressão da "cobertura de caixa", o Tesouro terá que avançar na melhoria do perfil da dívida, na redução dos juros -em vez dessa política extraordinariamente ineficaz da administração na boca do caixa, em que a "arte" consiste em criar expedientes para a postergação de despesas, desarticulando todo o Orçamento público.

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