Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 04, 2005

JANIO DE FREITAS O suborno que não conta

FOLHA DE S PAULO
As CPIs deixaram em total esquecimento uma denúncia de alta gravidade, com isso evitando sujeitar a investigações um número de deputados muito maior que os 18 acusados de recebimentos ilegais "de campanha". Não está claro se o encobrimento da denúncia decorreu da conturbação dos trabalhos ou, como parece mais, de entendimento tácito entre lideranças partidárias. Mas descobertas que ocorrem neste momento, relativas a mais dinheiro e mais operações de Marcos Valério em outra agência do Banco Rural, abrem a possibilidade de recuperar-se a suspeita sufocada e, de quebra, prometem mais indícios de "mensalão".
Junto às denúncias de verbas sigilosas para campanhas e do "mensalão", Roberto Jefferson deu ênfase também à compra de transferência partidária de deputados. A quantidade de transferências foi espantosa, de fato, inflando os partidos que se puseram, como aderentes à "base aliada", sob a orientação do coordenador político do governo à época, José Dirceu. Comentaristas, mesmo os simpáticos ao governismo, deixaram impressa e em vídeo a estranheza da transferência em massa, iniciada logo aos primeiros meses do governo. Foi considerada uma hábil manobra para arrebanhar parlamentares sem macular o PT.
Hábil poderia ser, mas não se explicava pelo simples adesismo, até de tucanos pouco antes fernandistas fervorosos. A denúncia de pagamento para transferências teve a pronta confirmação de que a deputada goiana Raquel Teixeira relatara ao governador de Goiás, meses antes, a oferta de um R$ 1 milhão para trocar o PSDB pelo governista PL, de Valdemar Costa Neto. Curioso é que essa apontada proposta de suborno incluiu o deputado Sandro Mabel, liderado de Valdemar, nas 18 cassações pedidas pelas CPIs dos Correios e do Mensalão, mas nenhum dos muitos envolvidos em transferências suspeitas foi investigado. Nem mesmo na constatação de pagamentos inexplicados foi considerada, como hipótese, a remuneração de transferência partidária.
A gravidade da denúncia de suborno, reforçada pela confirmação antecipada de Raquel Teixeira, por si só exigiria que todas as transferências de parlamentares passassem por um crivo das CPIs. Relativo, no mínimo, às movimentações financeiras e patrimoniais dos transferidos na fase em que o Planalto construía e, depois, reforçava a sua "base aliada". O movimento das CPIs foi, no entanto, em sentido oposto.
A descoberta e as deduções preliminares do grupo de trabalho chefiado por Gustavo Fruet, sub-relator da CPI dos Correios, são promissoras. Já estava constatado, há tempos, que há mais dinheiro do que recebimentos identificados no circuito Valério-políticos. Agora, a nova conta de Valério encontrada em uma agência do Banco Rural expõe, para começar, triangulações de dinheiro não sabidas antes. Revela montantes financeiros que os analistas, embora ainda não saibam de onde vieram, estão convencidos de que não provêm, na maior parte, dos tão falados empréstimos. E os saques dessa conta na agência Assembléia, em Belo Horizonte, são bastante pulverizados e, muitos deles, com certa periodicidade. O que sugere os pagamentos periódicos chamados de "mensalão". Mas também reabre a questão de outros motivos e outros pagamentos de Valério-PT-governo a deputados. Inclusive o esquecido suborno para transferência partidária de parlamentares.
Segundo Severino Cavalcanti, que nem fala nesse suborno, o "mensalão" não existe. Apenas houve contribuições eleitorais não-declaradas nas contas entregues à Justiça Eleitoral. Motivo pelo qual, diz ele, "enganam-se os que pensam que deixarei levar ao cadafalso os inocentes", que são, a seu ver, os meros recebedores de dinheiro sigiloso.
Severino defende autores de crime eleitoral, para eles propondo penas brandas em vez da cassação prevista em lei. Com isso incorre no que a Constituição define como improbidade motivadora de perda do mandato: conduta imprópria para o parlamentar, no caso, ainda por cima, presidente da Câmara dos Deputados.
O deputado Fernando Gabeira está mais do que justificado na sua decisão de apresentar ao Conselho de Ética da Câmara uma representação contra Severino Cavalcanti. E, na mesma medida, em sua disposição de ativar um movimento contra os desmandos da presidência parlamentar por Severino Cavalcanti. O Congresso e, em particular, a Câmara não precisam de mais desmoralização.

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