Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 09, 2005

Luiz Garcia Desculpem-me se me matarem

O Globo


A superlotação da carceragem da Polinter não é novidade. Nem segredo. No ano passado, o ótimo filme "Justiça", documentário de Maria Augusta Ramos — cujo tema principal era o Judiciário fluminense — mostrava uma quantidade de cenas filmadas na Polinter. Eram momentos em que "Justiça" não era recomendável para os muito sensíveis.


E o filme nada mostrava de novo: trata-se de uma carceragem da Polícia Civil há muito tempo reservada a presos ainda não julgados, e que jamais foi diferente do que é hoje.

No momento, abriga entre 1.560 e 1.600 internos; deveriam ser, no máximo, 250. Os presos — em princípio, nem todos criminosos, já que nenhum foi ainda sentenciado — revezam-se para comer e dormir. No filme, quase se tinha a impressão de que se revezam para respirar.

Deputados fluminenses já se cansaram de visitar a Polinter e constatar as suas condições desumanas. Existe mesmo uma sentença, confirmada pelo Tribunal de Justiça, determinando redução do número de internos, para, no máximo, 250.

De quem é a culpa? Há dois réus: os governos federal e estadual, que trocam acusações sobre a falta de uma casa de custódia decente. Brasília afirma que em abril repassou ao estado verbas no valor de R$ 13,4 milhões, suficiente complementação para a construção de uma penitenciária e de uma casa de custódia. O Ministério da Justiça deveria apresentar prova disso, já que o governo estadual nega o repasse de recursos. No momento o que há de concreto é a decisão estadual de não mais aceitar presos federais, e a reação federal de levar para outros lugares os presos da União. Alguns, informou-se, ficarão num campo de futebol em Campos — não se sabe se com ou sem direito a bolas e chuteiras. É patético.

Talvez seja impossível determinar se um dos lados é inteiramente culpado. Por seguro e pelos precedentes, considere-se que a culpa é estadual e federal: faz parte do longo rol dos defeitos do sistema federativo brasileiro, que rege as relações entre União e estados. E passemos adiante, sem perder tempo pregando a reforma da Federação aos homens públicos que até agora sequer conseguiram chegar a consenso, em tese, sobre como fazer uma reforma política decente.

Falar do descalabro da Polinter também seria perda de tempo, não fosse a novidade agora descoberta: o fato de que os detidos, quando chegavam, eram obrigados (até outro dia, quando alguém denunciou) a assinar uma declaração assumindo responsabilidade pessoal sobre sua própria integridade física.

A prática acabou, outro dia, porque foi denunciada. Pelo visto, até então nenhuma autoridade tomara conhecimento da aberração. Ou entendera a exigência como absurda. Qualquer estudante de cursinho de vestibular de direito sabe que a segurança de um preso é responsabilidade intransferível do poder público. Transferi-la ao próprio detento é aberração grotesca — e vil. Vai-se ver, o passo seguinte poderia ser fornecer armas àqueles detidos obrigados a conviver com companheiros de cela antipáticos ou feios demais.

O absurdo da falta de entendimento entre autoridades federais e estaduais sobre obras urgentes é história antiga.

Mas essa do "eu sou culpado se me matarem" é novidade. Onde está sua câmara, Maria Augusta?

Arquivo do blog