Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 20, 2005

Falha humana DORA KRAMER

o estado de s paulo


Para a eleição de 2006 não é preciso mudar, basta cumprir a legislação em vigor Quanto mais se aproxima o prazo final para a mudança da legislação eleitoral e aumenta o índice de turbulência no ambiente político, cresce a possibilidade de a crise servir de argumento para a postergação da data limite para alteração das normas que regulamentarão as eleições de 2006.

A alegação remete à impossibilidade de se entrar no processo eleitoral sob as mesmas regras que permitiram a aceitação tácita do uso do caixa 2 sob a complacência da Justiça e a conivência dos partidos, que possibilitaram o manejo de legendas ao molde de mercadorias de ocasião, que incentivaram a substituição do debate político pela imposição de critérios publicitários na montagem das campanhas.

Trata-se de uma argumentação falaciosa, pois parte do princípio de que o problema essencial são as leis e não a forma como as pessoas - aí incluídos eleitores e candidatos - se comportam diante delas.

Mudanças feitas agora, no calor da crise, embutem um evidente risco de produzirem mais distorções que propriamente aprimoramentos normativos capazes realmente de pôr as coisas nos trilhos.

No clima de confusão, de salve-se quem puder, de cabeças a prêmio, de perdas e ganhos iminentes, são imensas as possibilidades de negociações referidas nas necessidades de cada perdedor ou ganhador em potencial transformarem a reforma política em mais uma oportunidade perdida.

Não há, na crise em cartaz, nem um só fato completamente desconhecido de todos. Nenhuma das infrações sob investigação ocorreu por ausência de uma legislação adequada para coibi-la. Tanto que há instrumentos legais à disposição suficientes para se chegar às devidas punições.

O defeito, portanto, não está nas leis, mas nas condutas.

Na campanha de 2006, ninguém está impedido de se comportar direito nem a Justiça Eleitoral está desobrigada de fazer o seu trabalho, fiscalizando de forma adequada o uso de recursos partidários e passando o devido pente fino nos pedidos de registros de candidaturas.

O TSE reclama da falta de estrutura adequada, mas não faz uso de sua prerrogativa legal de convocar instituições públicas e privadas para atuar no processo eleitoral. Da mesma forma que tem o poder de chamar qualquer cidadão para, na eleição, ficar à sua disposição - e o faz não raro de maneira autoritária -, pode perfeitamente convocar técnicos dos tribunais de contas ou de fundações para ajudar no trabalho de fiscalização.

Os partidos também não estão obrigados a aceitar a inscrição de candidatos com prontuários no lugar de biografias. Hoje, aceitam qualquer um que representa boa perspectiva em termos de votos e as dezenas de parlamentares com problemas na Justiça e na polícia estão aí para comprovar a prática. Quando são pegos em falcatruas, em geral os partidos os expulsam e esquecem a responsabilidade anterior de tê-los aceito ao arrepio das exigências legais.

Os candidatos e seus comitês de campanha tampouco são forçados a apresentar ao eleitorado propostas político-administrativas edulcoradas em invólucros fantasiosos. Não precisam optar pelo caminho mais fácil e mais caro, desde que disponham de conteúdo para dispensar o exagero nas formas.

Só o fazem hoje para atender ao imperativo de uma prática deformada.

O eleitorado, por sua vez, é livre para exercitar o discernimento e não se deixar levar por ilusões da propaganda, bem como estão autorizados os cidadãos a cassar, na prática, os direitos políticos dos que usam a renúncia como atalho por linhas tortas ao perdão. Nada disso depende de lei nova.

Corrigidas as condutas, nada impede que venha a reforma da lei, debatida com calma e, para que não fique só a cargo dos políticos, quem sabe submetida a plebiscito ou referendo.

X da questão

Opinião de gente enfronhada nos assuntos das leis e da política: o problema da decisão do Supremo Tribunal Federal não é jurídico e, portanto, já não cabe analisar se a extensão do prazo de defesa dos deputados sob investigação atendeu aos ditames legais, porque é fato vencido.

A questão são os efeitos políticos da sentença que deu sobrevida a um grupo até outro dia muito influente, cujo poder de articulação não deve ser subestimado nos próximos dez dias ao fim dos quais será retomado o curso dos processos de cassação.

O período coincide com as articulações em torno da substituição de Severino Cavalcanti na presidência da Câmara.

Os processos tramitam sob o controle da Mesa Diretora, que, se for reorganizada à luz dos critérios da maioria governista no Parlamento, terá correlação de forças favorável aos acusados e aos demais parlamentares de alguma maneira ameaçados de entrar no rol das punições.

Sem a liminar do Supremo, o grupo das combalidas eminências pardas do Planalto estaria hoje devidamente enquadrado, desprovido de fôlego para tentar lances de última hora na posse da vantagem de não ter nada a perder.

Fora o fato de suas majestades serem, bem ou mal, aliadas dos inquilinos do poder.

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