Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 20, 2005

ENTREVISTA/AUGUSTO NUNES: “O país vai sofrer mudanças profundas, para melhor”

PAUTALIVRE.COM

"O país vai sofrer mudanças profundas, para melhor. Os brasileiros estão descobrindo que quem paga a conta é o povo. Serão mais cuidadosos na escolha dos parlamentares e dos governantes. O Congresso será agudamente renovado em 2006. Quanto ao governo Lula, acabou. Resta ao presidente tocar o barco como for possível. A antiga aura sumiu, a esperança foi estilhaçada."
Essa é a leitura feita pelo jornalista Augusto Nunes sobre as conseqüências da atual crise política. Esse paulista de Taquaritinga, às vésperas de completar 56 anos (que comemora no próximo domingo, 25), fala com a autoridade de quem acumula uma milhagem de 40 anos de jornalismo. Profissional de competência e experiência comprovadas, com passagens em alguns dos mais importantes jornais e revistas da imprensa brasileira, ele foi redator-chefe da revista "Veja", diretor de redação dos jornais "O Estado de S. Paulo" e "Zero Hora", de Porto Alegre, e da revista "Época", além de vice-presidente editorial do "Jornal do Brasil". Atualmente escreve artigos para o JB às terças e quintas e aos domingos a coluna "Sete Dias", publicada também em vários outros jornais do país, incluindo "O Liberal", em Belém. E ainda assinada toda segunda-feira um artigo no site "NoMínimo".
Augusto Nunes é também o responsável pela organização e edição de textos de "Minha Razão de viver", a autobiografia de Samuel Wainer, na qual o lendário jornalista faz relatos picantes sobre os porões da política e da imprensa brasileira. O livro, que é um clássico do memorialismo político e cuja primeira edição foi da editora Record, ganhou agora uma edição definitiva, da editora Planeta (R$59,00), enriquecida por uma farta documentação e revelações inéditas, cessado o embargo dos 25 anos após a morte de Samuel Wainer, por ele mesmo imposto ao dar seu depoimento como testemunha privilegiada e protagonista de relevo de um período de efervescência da História do Brasil, que desembocou no golpe militar de 1964. Isso faz da edição definitiva de "Minha Razão de Viver" um dos mais importantes lançamentos editoriais do ano e torna o livro um dos destaques da IX Feira Pan-Amazônica de Livro, realizada em Belém de 16 a 25 de setembro, das 10 às 22 horas, com entrada franca, no centro de eventos Júlio César, na avenida Almirante Barroso com avenida Júlio César.
Em seguida, a entrevista de Augusto Nunes.


PAUTALIVRE.COM - Qual a sua avaliação sobre o papel desempenhado pela imprensa na atual crise política? A mídia está dando o tom da crise, como já foi dito?

AUGUSTO NUNES - Acho que a imprensa, de modo geral, tem tratado a crise com competência. Mas é preciso ressalvar que fomos lenientes, ou pouco atentos, durante dois anos e meio. Se tivéssemos tratado o PT como um partido normal, não como o aglomerado dos salvadores da pátria, ao menos algumas bandalheiras teriam sido descobertas mais cedo. O grande pauteiro desse episódio foi Roberto Jefferson. É o Brasil.

PAUTALIVRE.COM - No seu entender, quais as eventuais repercussões desta crise no governo do presidente Lula e no próprio Congresso?

AUGUSTO NUNES - O país vai sofrer mudanças profundas, para melhor. Os brasileiros estão descobrindo que quem paga a conta é o povo. Serão mais cuidadosos na escolha dos parlamentares e dos governantes. O Congresso será agudamente renovado em 2006. Quanto ao governo Lula, acabou. Resta ao presidente tocar o barco como for possível. A antiga aura sumiu, a esperança foi estilhaçada.


"Lula é reconhecidamente
um centralizador. Só agora
posa de distraído. Parece-lhe
mais conveniente a imagem
de inepto que a de corrupto"


PAUTALIVRE.COM - Soa-lhe possível que o presidente Lula e o ex-ministro José Dirceu pudessem desconhecer pelo menos parte dessa avalanche de corrupção com a qual se depara o país, na esteira das denúncias sobre o mensalão?

AUGUSTO NUNES - Ambos sabiam de tudo, não tenho dúvida. As prefeituras administradas pelo PT serviram desde sempre como laboratório para o grande assalto ao Estado. Lula é, reconhecidamente, um centralizador. Só agora posa de distraído. Parece-lhe mais conveniente a imagem de inepto que a de corrupto.

PAUTALIVRE.COM - O que justificou o presidente ter permanecido blindado e conservar sua popularidade durante um bom período, diante de toda essa crise?

AUGUSTO NUNES - O medo causado pelos eventuais sucessores. Um Lula consegue ser melhor que um José Alencar. Um Alencar consegue ser melhor que um Severino (agora riscado da lista). Mas a crise está com as rédeas nos dentes. Não há blindagem que resista às descobertas que logo serão divulgadas. Teremos, repito, um presidente-zumbi.


"Todos sairão desgastados
(da crise), mas o país ficará
melhor. Os partidos terão
que apresentar programas
e planos de governo"


PAUTALIVRE.COM - E o Congresso, a classe política, os partidos em geral, e o PT em particular, como sairão de todo esse imbróglio?

AUGUSTO NUNES - Todos sairão muito desgastados, mas o país ficará melhor. Acho que o Congresso sofrerá uma renovação profunda. Os partidos terão de apresentar programas e planos de governo. E o PT terá de voltar às origens. Isso só será possível com a expulsão dos corruptos. Se não forem punidos, o partido se dividirá em várias siglas.

PAUTALIVRE.COM - Diante desse tsunami de corrupção, é inevitável a reforma política?

AUGUSTO NUNES - É inevitável e urgentíssima. O prazo é curto, mas algumas mudanças essenciais precisam ser aplicadas já às eleições de 2006.


"É preemente a obediência à fidelidade
partidária, a fixação de regras
decentes para o financiamento de
campanhas, a institucionalização da
cláusula de barreira e o voto distrital"


PAUTALIVRE.COM - Quais seriam os pressupostos desejáveis de uma reforma política?

AUGUSTO NUNES - Menciono alguns mais prementes: a rigorosa obediência à fidelidade partidária, o fim dos programas espetaculosos no horário eleitoral, a fixação de regras decentes para o financiamento de campanhas, o acompanhamento estreito dos gastos dos candidatos e partidos, a institucionalização da cláusula de barreira (que acabará com as legendas de aluguel) e a introdução do voto distrital.

PAUTALIVRE.COM - Esta crise pode fortalecer as instituições e por conseqüência a democracia, ou, ao contrário, corre-se o risco de fragilizá-las?

AUGUSTO NUNES - Como diz a deputada Denize Frossard, nenhuma crise é boa para nenhum país. Mas estou convencido de que, desta vez, o Brasil mudará sensivelmente. Para melhor, insisto.


"Jorge Serpa, ainda vivo, fez
o papel agora reprisado pela
dupla Delúbio-Valério. Em
escala menor. O Brasil de 64
parece menos acafajestado"


PAUTALIVRE.COM - Quanto ao livro do Samuel Wainer, o que esta nova edição acrescenta de novo à edição anterior?

AUGUSTO NUNES - Na edição definitiva, o Samuel confessa ter nascido na Bessarábia (uma foto inédita mostra o embarque dos Wainer no porto de Gênova. Samuel aparece, com sete anos de idade). Também é revelado o nome do homem de mala de João Goulart: o advogado e empresário Jorge Serpa, ainda vivo, fez o papel agora reprisado pela dupla Delúbio-Valério. Em escala menor, claro. O Brasil de 64 parece menos acafajestado.

PAUTALIVRE.COM - Cotejando as negociatas narradas por Samuel Wainer com o que agora se vê, a que conclusões se pode chegar?

AUGUSTO NUNES - O ovo da serpente sempre foi chocado no Executivo. Nos governos Jango e JK, as propinas e favores irregulares eram patrocinados por empresas estatais, pelo Banco do Brasil e pelos empreiteiros. Com a Era Collor, a quadrilha federal ampliou o raio de ação, mas o número de integrantes era bem menor que o atual. No governo Lula, juntaram-se às velhas fontes da roubalheira os beneficiários da privatização (com Daniel Dantas na comissão de frente), os fundos de pensão, as verbas publicitárias federais e bancos amigos, como o BMG e o Rural.

PAUTALIVRE.COM - Não lhe parece que o relato de Samuel Wainer suscita uma questão vital, convenientemente esquecida pela mídia, que é o fato desta costumar ser implacável quando identifica conflitos de interesses na esfera pública, mas ser omissa ou leniente com seus tropeços na matéria?

AUGUSTO NUNES - Concordo inteiramente com você. A mídia vive contemplando o umbigo, mas evita examinar as próprias vísceras.

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