Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 20, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO São todos responsáveis


A eleição interna no PT produziu um contraste revelador. Luiz Inácio Lula da Silva, o petista que desde a primeira hora foi a alma e a face do partido do qual é hoje presidente de honra, deixou de comparecer ao "ato político mais importante da história da legenda", na definição do presidente interino Tarso Genro. Com a sua ausência, ele tentou passar aos brasileiros a idéia de que não devem confundi-lo com a agremiação que patrocinou o maior esquema de corrupção já visto no País – em benefício do seu governo. Como se ninguém soubesse que Lula e o PT continuarão a depender um do outro, embora em graus variáveis, e que, por isso mesmo, a sua relação é indissolúvel.

Faltou ao presidente a coragem de assumir o óbvio, cumprindo o seu dever de Primeiro Companheiro, quanto mais não seja para se mostrar solidário com os seus, perante a opinião pública, na hora de um infortúnio ao qual não conseguirá dar as costas. Já o seu ex-ministro José Dirceu, a quem ele entregara as alavancas do poder – talvez até para não precisar saber de certas coisas que se podem fazer com elas –, valeu-se da jornada eleitoral para admitir tacitamente o que também é de conhecimento geral: o mensalão, cuja concepção lhe é atribuída, não foi um empreendimento de uns poucos petistas excessivamente pragmáticos, mas uma realização coletiva.

Como já fizeram Gushiken e Genoino, Dirceu reconheceu, em entrevista no local onde foi votar, a sua "responsabilidade política" pela desmoralização do partido. "Ao contrário de muitos da executiva, da direção nacional e dos principais líderes do PT, eu não fujo das minhas responsabilidades." No mesmo domingo, em outro evento – um almoço com amigos e simpatizantes –, deu nomes aos bois. Citou Tarso Genro, e o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante. "Erraram e acertaram como todos nós e agora fogem de tudo", acusou. Usou as palavras "vilania" e "ignomínia" para se referir ao comportamento dos dois. A autocrítica tem um limite: ele usa o verbo errar de forma restrita, dando-lhe sentido apenas político.

Mas já é o bastante. Mesmo não assumindo a dimensão essencial do "erro" – a negação radical dos valores éticos que o partido passou a vida alardeando serem seu monopólio, substituídos pela prática recorrente de delitos objetivamente configurados –, Dirceu desnudou o PT. A montagem e a movimentação do aparato corruptor petista, do que ele se diz inocente, não teriam ocorrido, ao menos com o alcance e a profundidade que assombram o País, sem a participação de uma parcela significativa de quadros dirigentes, aliada ao silêncio cúmplice de muitos mais. E não teriam ocorrido fosse o partido o baluarte da moralidade política que apregoava, antes da eleição de Lula.

O Partido dos Trabalhadores não mudou da noite para o dia. A corrupção – nas múltiplas formas em que pode se manifestar – começou, no partido, na esfera municipal, ampliando-se e aperfeiçoando-se à medida que aumentavam o número e a importância das prefeituras sob o seu controle. De todos, o caso de Santo André é apenas o mais notório, em razão do assassínio do prefeito Celso Daniel. Excepcional, literalmente, há de ser a administração petista em que não tenham ocorrido maracutaias – com ou sem o envolvimento pessoal e direto do prefeito ou governador – para proporcionar ao partido as bases materiais necessárias ao seu projeto de poder em âmbito nacional.

O que o Ministério Público já apurou e as CPIs tendem a confirmar nesse sentido, em relação a Ribeirão Preto, por exemplo, expõe a insofismável natureza do "erro" que Dirceu tem razão ao imputar "a todos os integrantes do PT, cada um no seu grau devido", e omite quando o circunscreve à esfera política. Pois que erros terá a agremiação cometido que não constituam ilícitos penais? A admissão do ex-ministro, aliás, tira o chão dos argumentos de Tarso Genro de que as CPIs perderam o foco e se tornaram instrumentos de destruição do governo Lula e do Partido dos Trabalhadores. As CPIs fazem o que lhes compete, sobretudo na análise circunstanciada da massa de documentos que requisitaram.

Neles, que não contêm nenhuma suposta intenção de atacar, vilipendiar e caluniar, como afirma o presidente petista, estarão as evidências dos "erros" que o partido cometeu – porque quis – para se apropriar do Estado brasileiro e dar 8 anos de governo ao ingrato presidente Lula.


Arquivo do blog