Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 08, 2005

ENTREVISTA Fernando Gabeira NO JB :"Estou consciente de que o governo morreu"


Por Paulo Celso Pereira:

 

"Quando usou o microfone do plenário para atacar o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), afirmando que iria iniciar um movimento para retirá-lo do poder, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) estava apenas repetindo um gesto que já havia feito.

 

A diferença foi que, com a transmissão pela TV, Gabeira virou popstar. Durante esta entrevista, que durou cerca de uma hora, Gabeira foi interrompido várias vezes com expressões de apoio. Ele brinca: "Sou um alternativo que chegou ao mainstream":

 

– Já tinha sacaneado ele várias vezes mas só perceberam depois que apareci no Jornal Nacional.

 

Gabeira apontou os holofotes para Severino Cavalcanti, que até então estava fora das denúncias de corrupção. Sábado tudo mudou. Acusado de receber propina do dono de um dos restaurantes da Casa na época que era primeiro-secretário, Severino está com o mandato em risco.

 

– Se antes, cassá-lo era um dever, agora, se não fizer, corro o risco de ser processado por omissão.

 

Um dos organizadores do movimento Brasil Verdade, que tenta melhorar a imagem da Câmara, Gabeira defende a "implosão" de todos os partidos.

 

Descrente com a política e cogitando a possibilidade de sair do Parlamento caso não haja uma renovação dos quadros, ele segue defendendo projetos ligados ao meio ambiente, comércio exterior, direitos humanos e a legalização de drogas.

 

Em meio ao sucesso, Gabeira enfrenta o pedido de cassação feito pelo deputado Benedito Dias (PP-AP).

 

– Temo que ele seja preso antes do fim – provoca.


Como é o movimento Brasil Verdade?


– Temos três objetivos: garantir que as investigações se desenvolvam e a punição seja feita de acordo com a lei para iniciar uma recuperação da credibilidade no Congresso; lutar por uma reforma eleitoral que tenha ao menos a redução dos custos e o aumento da transparência; e constituir uma força que contribua com a governabilidade, independente do desfecho com impeachment ou não.


E a cassação de Severino Cavalcanti?

 

– Faz parte desse movimento o pedido de cassação do Severino. No bojo dessas denúncias, o que era uma posição apenas minha se transformou numa posição pelo menos da oposição, da esquerda do PT e das forças que se distanciam do fisiologismo. Se antes era um dever, agora se não o cassarmos corro o risco de ser processado por omissão.


Como avalia a presença dele na Casa?

 

– Severino sempre teve uma representatividade que era limitada aos votos dos fisiológicos. Aqueles que, de modo geral, querem apenas melhoria de salário e mais verbas de gabinete. Esse número nunca ultrapassava 110 deputados. No entanto, o PT resolveu lançar um deputado difícil, o Luiz Eduardo Greenhalgh. Simultaneamente, houve uma divisão com a aparição da candidatura do Virgílio Guimarães. A desarticulação do governo permitiu que houvesse segundo turno. E quando a oposição percebeu que o Severino foi para o segundo turno, votou nele em peso, pensando em punir o governo, sem perceber que estava punindo o Parlamento.


Em quem o senhor votou?

 

– Votei no Greenhalgh, pois acreditava que apesar de tudo, o partido do governo tinha o direito de apontar o candidato. Muita gente fala, que se houvesse essa crise com o Greenhalgh na presidência talvez fosse pior que o Severino. Não acredito nisso. Com o Greenhalgh era possível lutar. Ele seria apenas um executor mais sofisticado de uma política de abafa. Mas um pouco de sofisticação, podemos combater.


Houve um deslumbramento na chegada do baixo clero ao poder?

 

– A chegada do Severino alterou bastante o quadro. Inicialmente ele procurou cumprir as promessas que fez ao grupo fisiológico aumentando a verba de gabinete em R$ 8 mil e procurando satisfazer aqueles deputados mais inexpressivos. A primeira decisão dele foi fazer quem nunca viajou começar a viajar. O que aparentemente é uma decisão democrática, mas a viagem era entendida como uma extensão da política brasileira, como um elemento da diplomacia parlamentar. Ele não entende assim, vê as viagens como uma forma de agradar, de dar a todos a oportunidade de sair e ter algumas diárias.


Como foi recebido seu discurso?

 

– A recepção foi muito boa, uma coisa fora do comum. As pessoas percebem claramente que o Brasil é um país muito mais complexo do que daria a entender a presença dele lá, que é um retrocesso completo e lamentável. O Severino defendeu empresas que têm trabalho escravo. Estamos na aurora do século 21. No século 19, um deputado pernambucano já lutava contra a escravatura. Era Joaquim Nabuco. Severino representa um retrocesso em relação a Nabuco.


O senhor percebe um sentimento de desilusão nas ruas?

 

– Há uma sensação de que os políticos fracassaram. Mas há uma luz, porque algumas pessoas imaginam que nem todos são iguais. O que me impressionou é que no meu debate com o Severino houve uma nuance: ao passo que as pessoas na rua elogiavam, os deputados acharam que estava certo, mas que o tom foi um pouco alto demais. Dá a impressão que o fato de as pessoas viverem na Câmara, trabalharem juntas, desenvolverem amizades e terem interesses comuns faz com que elas fiquem um pouco anestesiadas. Elas passam a ser mais tolerantes. A população não.


Como o senhor vai reagir em relação a seu processo de cassação?

 

– Sempre disse que o deputado Benedito Dias (PP-AP) deveria me processar. Só temo que ele seja preso antes do final. Porque foi denunciado pelo Procurador-Geral da República pela formação de quadrilha de desvio de verbas do Hospital do Câncer de Macapá. Ele deve acelerar o processo para não ser preso antes.


Como o senhor analisa a chegada desta crise ao Planalto?

 

– Não é que tenha chegado ao Planalto, ela nunca saiu de lá. É um grupo que detém todos os cadáveres no armário e todos os segredos. Sejam segredos de financiamento escuso de campanha, sejam segredos ligados à tentativa de sufocar a investigação da morte do Celso Daniel.


E isso não lhe surpreende?

 

– Não. Compreendo isso como uma decorrência do processo. Todas as campanhas presidenciais que passam por um longo processo apresentam uma série de escândalos que vão sendo abafados. E o núcleo no poder vai sendo constituido também por aquelas pessoas que detêm os segredos dos cadáveres no armário.


Lula tem ido aos sindicatos buscar o apoio das massas, como analisa isso?

 

– Ele não está buscando o apoio das massas, está usando um grupo de sindicalistas e políticos para constituir auditórios favoráveis que garantam aplauso na hora certa, transmitindo a impressão que tem apoio popular. Se gostasse da massa ele ia para a Central do Brasil ou para a Praça da Sé. Lula está um pouco errático, a última tentativa foi se agarrar ao fantasma do Juscelino Kubitscheck, mas nem a família do Juscelino aceita.


O senhor está desiludido?

 

– Não. Estou consciente de que o governo morreu. O que fazemos agora é discutir o que fazer com o corpo até 2006. Não vejo chances de o governo se recuperar. O que se define agora é se ele vai continuar fraco até o final ou se vai cair antes. Se ficar até 2006 será preciso constituir na sociedade uma força que consiga ajudá-lo a chegar até o final sem necessariamente prestigiá-lo. Marcando claramente que queremos ajudar a governar, mas temos uma distância do governo.


O senhor pensa em continuar no Parlamento?

 

– Depende. Estou numa luta de vida ou morte. Se o parlamento não se renovar, não buscar outro rumo, não me interessa voltar. Posso contribuir para o Brasil fora dele. Se ele ganhar rumo e seriedade, me interessa.


Quando o PT começou a mudar?

 

– Chegou um momento em que Lula disse: chega de disputar eleição, preciso ganhar. Para isto preciso de recurso e de um bom programa de televisão. Aí Lula passou a se ligar a Duda Mendonça. O processo do marketing substituiu o processo tradicional de campanha, que era na rua, com comícios e caminhadas. Lula percebeu que um insight do Duda podia ganhar um milhão de votos e na rua, por mais que batalhasse, falaria com 10 mil pessoas. Aí, evidentemente, as campanhas alteraram radicalmente. Eles passaram a ver a política de uma forma clara: se ganha com muito dinheiro e com os melhores profissionais de marketing. Passaram a subestimar a política como movimento.


O PT tem futuro?

 

– É preciso um adjetivo. Tem futuro brilhante? Promissor? Futuro vegetativo todos nós temos. O problema é que não tem mais futuro como um partido que possa empolgar o país, que possa galvanizar uma transformação. Ele perdeu essa chance. Pode se recuperar ao longo do tempo, voltar a conquistar uma eleição aqui e ali. Pode ser que daqui a 10 ou 15 anos ganhe outra eleição presidencial, mas já sem aquelas características do passado. É só mais um partido.


E como fica a idéia de esquerda?

 

– Terá de ser renovada. De certa forma, caiu o Muro de Berlim no Brasil. Caiu o mito da classe operária como salvadora que era um dos componentes da mitologia do século passado. Junto dela caiu a idéia de que os fins justificavam os meios e o princípio do centralismo democrático. Entramos em uma nova fase, em que os trabalhadores não têm mais um papel privilegiado na correlação de forças que vai mudar o país. E as transformações talvez não sejam rocambolescas como era programada na esquerda. A esquerda terá de apresentar projetos claros, viáveis e realistas. De certa maneira, a idéia de esquerda e direita vai sempre existir, mas a esquerda não será mais um bem absoluto e a direita deixou de ser o mal absoluto.


O tema da legalização das drogas ainda é importante para o senhor?

 

– Continuo trabalhando em torno de uma política de drogas. Mas a situação é tal no Brasil que esse tema não tem tido o destaque que deveria. Para se defender, a tropa de choque do Severino usou isso contra mim, dizendo que eu não podia falar do Severino porque propunha a legalização e Severino insinuou que eu não era macho. Como Cazuza disse, me chamam de veado e maconheiro e assim podem roubar melhor nosso dinheiro.


Qual sua relação com o PV?

 

– Entrei no PV de novo porque eles estavam precisando de mais um deputado para ter direito a uma série de coisas e sou um deputado verde independente do partido. Mas é um partido formado por pessoas que não querem confronto. O PV no Brasil não tem nenhuma capacidade de influenciar na realidade porque está completamente destituido de substância teórica. Não existe partido político se você não tem pessoas capazes de pensar o programa, aplicá-lo na realidade e reinventá-lo quando a realidade muda. O PV não tem essa massa crítica. Temos de desejar a implosão do sistema partidário para que possamos reorganizá-lo.


Como assim?

 

– Fazer uma implosão para que novos partidos se formem e novas afinidades se afirmem. Esse processo é permanente, esses partidos estavam diante de uma época que acabou. Qual a pessoa inteligente hoje que entra em partido? É muito raro

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