Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 03, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO A maquete da corrupção


Quando o oftalmologista João Francisco Daniel contou pela primeira vez ao Ministério Público paulista o que repetiria quinta-feira na CPI dos Bingos, mensalão era uma forma de cobrança do Imposto de Renda, Marcos Valério era um nome como outro qualquer, o PT ainda era a sigla da ética - e Luiz Inácio Lula da Silva ainda não era presidente da República. Passados três anos, o que se veio a saber da corrupção promovida em escala maciça pelo comando do partido do governo corroborou para além de qualquer dúvida o que antes poderia parecer apenas verossímil no depoimento original do irmão do prefeito petista de Santo André, Celso Daniel, seqüestrado, torturado e assassinado em janeiro de 2002.
As revelações dos últimos três meses deram razão a todos quantos, desde a primeira hora, não viam por que suspeitar dos motivos que levaram o médico João Francisco a declarar que o então presidente do PT, José Dirceu, era o destinatário último do dinheiro extorquido de empresas prestadoras de serviços ao município, com o pleno conhecimento do prefeito. E que ele só resolveu dar um basta no
esquema - motivo pelo qual foi morto - ao descobrir que parte da propina destinada ao financiamento das campanhas do partido era desviada para os bolsos dos extorsionários Klinger Luiz de Oliveira Souza - cabeça da operação -, Ronan Maria Pinto e Sergio Gomes, o Sombra, homem da inteira confiança de Celso. Este era um homem de bem; nos moldes petistas, é claro.
Jamais lhe ocorreria se apropriar, ou permitir que outros se apropriassem, daquilo que a justo título pertencia ao PT, o que automati camente tornava imaculado o dinheiro de origem suja. Petistas politicamente corretos em cargos executivos não roubam nem criam dificuldades para vender facilidades a fim de se locupletar pessoalmente.
O PT nunca se propôs tomar o poder no bojo de um movimento revolucionário, como faziam seus líderes fundadores nos tempos da guerrilha. Embora Lula dissesse cobras e lagartos da via eleitoral cada vez que perdia uma disputa pelo Planalto, o partido se manteve fiel ao caminho das urnas - o qual exige, como se sabe, muito mais dinheiro do que po
de vir da militância, do dízimo de seus mandatários e de doações legais.
A justeza da causa, em suma, tudo absolve.
Os fatos reconstituídos por João Francisco Daniel se encaixam perfeitamente. Por que ele iria inventar que Gilberto Carvalho, o secretário de Governo de Santo André (e atual chefe de gabinete de Lula), seis dias depois da execução de Celso o procurou e, na presença de duas testemunhas, ainda por cima, lhe contou que entregava a Dirceu o butim da cidade? E que sentia medo de transportar tanto dinheiro no seu Corsa preto - uma vez foi R$ 1,2 milhão -, mas decerto não se sentia culpado de participar de um crime que beneficiaria, nas suas palavras, campanhas de candidatos petistas, como a de Marta Suplicy. 'Também achei estranho Carvalho me contar isso, mas ele me contou três vezes', decla
rou João Francisco à CPI. Naturalmente, transportador e recebedor negam tudo. O então ministro abriu processo contra o irmão de Celso, mas pediu adiamento da audiência no Fórum de Santo André em que se veria cara a cara com quem o teria acusado 'levianamente'. Não menos eloqüente foi a conduta do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, escalado por Lula para acompanhar o inquérito da morte do companheiro. Ele fez o que sabia para que a investigação policial terminasse o quanto antes, com a conclusão de que o prefeito tinha sido vítima de crime comum e não de um crime de mando.
Como se sabe, seis pessoas ligadas direta ou indiretamente ao caso acabaram mortas também. O perito Carlos Delmonte Printes, do Instituto Médico-Legal, revelou que Greenhalgh tentou interferir no exame do corpo de Celso Daniel. Conhecida é a história do sumiço de documentos do seu apartamento, quando ele ainda estava vivo - e torturado para dizer onde estavam. Anteontem um preso cujo nome é mantido em sigilo contou que a eliminação custaria R$ 1 milhão. Duas perguntas, para terminar. Por que - ou a pedido de quem - o ministro Nelson Jobim, do STF, libertou Sérgio 'Sombra'? Por que o PT contratou por R$ 500 mil o advogado Aristides Junqueira para defendê-lo no caso Daniel? Faz sentido: em Santo André e outros importantes municípios administrados pelo partido armou-se a maquete da corrupção sistêmica no governo do PT.

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