O ESTADO DE S PAULO
A juíza Sandra O'Connor, da Suprema Corte americana, que deixou, voluntária e recentemente, o tribunal maior dos Estados Unidos, alguns anos atrás esteve em São Paulo. Jantei com ela, com seu marido, com o presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo à época, o professor Ruy Fragoso, e outros dois colegas.
Discutia-se nos Estados Unidos, naquele momento, o impeachment do presidente Bill Clinton, em razão da aventura amorosa que mantivera com sua assessora Mônica Lewinsky. Perguntei-lhe, na ocasião, qual seria a sua posição com referência ao impeachment se a questão chegasse à Suprema Corte, pois, nada obstante a leviandade amorosa, o presidente era um líder que estava levando os Estados Unidos a uma das maiores expansões econômicas da História americana. E acrescentei que entenderia perfeitamente se ela não quisesse responder à minha pergunta, por não desejar antecipar sua posição, diante da possibilidade de a questão chegar até a Suprema Corte.
Ela me respondeu: "Professor Martins, não vejo por que não antecipá-la. Votaria pelo impeachment, pois ele mentiu para a nação."
Na frase da eminente magistrada americana está a essência da representação popular, seja do presidente ou do parlamentar. Por representarem a nação, não podem mentir para ela. Devem ser impolutos, íntegros e incapazes de qualquer tergiversação, no exercício do mandato que receberam.
Ora, na crise da democracia brasileira, o que mais se tem visto é a mentira. E o pior: a mentira reconhecida, confessada deslavadamente, a título de justificar as fantásticas verbas que circularam pelos "caixas 2", ou seja, das "caixas" de recursos cujas existência e origem não foram informadas à Receita Federal nem à Justiça Eleitoral.
Na verdade, os mentirosos da República, para se livrarem da pecha de que recebiam dinheiro para votar com o governo, na denominada modalidade de "mensalão", preferiram escapar, negando que tivessem sido comprados para esse fim e alegando que se tratava, apenas, de dinheiro recebido para suas campanhas eleitorais, que, todavia, não declararam ao Fisco nem à Justiça. Sonegaram, pois, do Poder constitucional encarregado de verificar se não haveria abuso do poder econômico nas eleições - nas quais foram indiscutivelmente beneficiados -, as informações fundamentais. E, no mínimo, com essa mentira eleitoral obtiveram "vantagens indevidas" perante outros candidatos que não lançaram mão do ilícito expediente.
Não quero discutir aqui os crimes contra a ordem tributária, representados pelo "caixa 2" e praticados ou pelo candidato mentiroso ou pelos profissionais da propaganda envolvidos, nas hipóteses de ter havido nomeação das pessoas para quem o teriam repassado. Tampouco quero cuidar da violação das leis eleitorais que não permitem o abuso do poder econômico nas eleições, razão pela qual é de se exigir pormenorizada declaração dos gastos de campanha.
Quero lembrar, todavia, que, se algum empresário chegar ao Fisco e disser que os valores que foram esquecidos são "caixa 2", mas que gostaria que a Fazenda não o autuasse, pois os políticos brasileiros mantêm o "caixa 2" como algo "ilegal", mas "natural", razão por que mereceria tratamento isonômico, certamente que tal argumentação não evitaria o lançamento nem a ação penal por sonegação. Teria violado a Lei nº 8.137/90, que impõe pena de dois a cinco anos de reclusão (artigo 1º).
Isso, porém, é matéria que a Receita Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário examinarão, no seu devido tempo. E sobre ela reservo para me manifestar tão logo encerrados os processos que, certamente, serão abertos contra os parlamentares ou beneficiários do esquema escondido.
Quero, entretanto, aqui deixar consignado que, para o eleitor, que deseja representantes impolutos e acima de qualquer suspeita, aquele que mente não é digno de confiança. Demonstra cabalmente que não está à altura do mandato que lhe foi outorgado, nem da honra que é representar o povo num Estado democrático.
A mentira nunca é louvável. Qualquer um deve dizer sempre a verdade. Mas aquilo que é uma virtude para o cidadão é uma obrigação para o representante popular, no Executivo ou no Congresso Nacional. Não sem razão, a moralidade é um dos princípios que, segundo o artigo 37 da Constituição federal, deve presidir a atuação dos agentes do Estado, sendo considerada por boa parte da doutrina o mais relevante princípio da administração pública.
Neste deletério quadro, em que vicejam os aliados do governo que mentiram para a população, não consigo esquecer a infeliz entrevista do presidente Lula em Paris, quando disse que tal procedimento (caixa 2) era, lamentavelmente, uma prática reiterada no Brasil, o que, no mínimo, leva à conclusão de que não desconhecia a atuação dos representantes que mentiram para a Nação.
Pior do que isso, as pessoas contra quem mais indícios existem nas apurações das CPIs são exatamente as mais ligadas à Presidência, seja na campanha eleitoral, seja no governo, o que, inequivocamente, preocupa o eleitorado quanto à sua capacidade de escolher amizades e colaboradores.
Neste artigo, todavia, quero apenas realçar, pelas mesmas razões apontadas pela ilustre magistrada americana - aposentada recentemente a seu pedido -, que representante que mente para a sociedade não pode mais exercer seu mandato. Perdeu a autoridade moral para fazê-lo. Não mentir é a primeira grande obrigação do representante popular. Que os detentores do poder aprendam para sempre a lição.
Entrevista:O Estado inteligente
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