Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 22, 2005

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO A eleição na Câmara


Mais alguns dias e a Câmara dos Deputados dirá ao País se aprendeu alguma coisa com as conseqüências do ato de absoluta irresponsabilidade política que foi a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Casa. Há sete meses, quando o notório rei do baixo clero se beneficiou do que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chamaria "estouro da boiada" - a que não estiveram alheios os setores do PSDB e do PFL cuja prioridade era infligir uma derrota ao governo -, nem mesmo os observadores mais acabrunhados com os 300 votos que tornaram possível o triunfo severino poderiam imaginar quanto custaria, afinal, o desatino político.

Pela primeira vez no Brasil, o titular da mais alta instituição legislativa renuncia para não ser cassado e ter suspensos os seus direitos políticos. Severino levou o descrédito do Congresso a um patamar sem precedentes, achacando um dono de restaurante e ainda dizendo depois, apesar de todas as evidências, que as denúncias do mensalinho recebido eram "mentira, mentira, mentira". E queira Deus que não haja uma gota de verdade na versão que o doleiro Toninho da Barcelona disse ter ouvido de outro cambista com quem dividia uma cela, segundo a qual, alijado do comando da Câmara, o PT comprou o apoio, ao governo, do novo comandante, por um supermensalão de R$ 8 milhões em cota única.

Seja isso fato ou ficção, a crise da corrupção petista se entrelaçou com a crise severina - e esse é o dado crítico da equação sucessória na Casa. Tanto assim que nada é tão importante para o Planalto como ter a certeza de que o próximo titular, a ser eleito em até 5 sessões, não acolheria um eventual pedido de impedimento do presidente Lula. Essa garantia o achacador havia dado. Isso explica por que o PT, jogando a última pá de cal sobre o seu arquivado discurso da moralidade política, se dissociou da iniciativa do PSDB, PFL, PDT e PV de pedir ao Conselho de Ética a abertura de processo contra Severino por quebra do decoro parlamentar.

O corolário do entrelaçamento entre as duas crises ficou evidente assim que se tornou certo que ele deixaria a Mesa por bem ou por mal. Ou seja, o terceiro cargo na hierarquia da República não poderá ser instrumento nem da blindagem de Lula, nem do seu contrário, nem ainda da inevitável radicalização das disputas partidárias no correr do ano eleitoral de 2006. Como se fosse pouco, estipulou-se tacitamente que os presidenciáveis deveriam ter livre trânsito entre as bancadas, para não acirrar ainda mais os conflitos numa conjuntura que tem tudo para isso, e, no mínimo dos mínimos, parecer honestos. Idealmente, identificado o deputado que reuniria esse raro conjunto de atributos, ele seria eleito por consenso.

Não se caminha para isso, porém. Salvo desdobramentos aparentemente improváveis, o peemedebista Michel Temer, que já presidiu a Câmara no governo Fernando Henrique, e o pefelista José Thomaz Nonô, atual vice-presidente, apoiado pelo PSDB, baterão chapa, como dizem os políticos - enquanto o baixo clero quer dar a volta por cima com a candidatura de Ciro Nogueira, afilhado de Severino, e o PT, para variar, já tem no banco nada menos de três nomes: o brasiliense Sigmaringa Seixas (tido como o preferido de Lula), o paulista José Eduardo Cardoso e o mineiro Paulo Delgado. Pelas características pessoais, qualquer deles poderia dirigir a Casa com retidão e competência - outras fossem as circunstâncias.

Mesmo para quem não segue a política de perto deve estar suficientemente claro que, em tempos de devassa do mensalão, não há como o PT querer fazer o presidente da Câmara com o beneplácito oposicionista. Do ângulo dos interesses do governo, a alternativa menos ruim seria Temer, embora ele faça parte da ala majoritária do PMDB, que não apóia o governo, diferentemente daquela encarnada pelo ex-presidente do Senado José Sarney e o seu sucessor Renan Calheiros. Mas exatamente o fato de o PMDB presidir a outra Casa joga contra Temer: em regime democrático, nunca as duas instâncias do Congresso foram dirigidas por membros de um mesmo partido.

À falta de consenso, resta o consolo de que tanto Temer como Nonô representam a volta à normalidade: pertencem a partidos importantes, integram o alto clero parlamentar e valorizam o colégio de líderes de bancada - que dá organicidade à Câmara e a faz funcionar. E nenhum deles é troglodita.

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