FOLHA DE S PAULO
Donald Rumsfeld , o secretário da Defesa dos EUA, visitou Assunção em agosto. Depois disso, o vice-presidente Luis Castiglioni explicitou o projeto de um acordo comercial bilateral com os EUA, cuja contrapartida seria a instalação de uma base militar americana no Chaco paraguaio. A finalidade óbvia seria garantir a "segurança" das reservas de gás natural da Bolívia na hipótese do aprofundamento da revolta social naquele país. O chanceler Celso Amorim reagiu, afirmando que não acredita na "necessidade" de uma base americana no Paraguai e que o país vizinho precisaria escolher entre o Mercosul e os EUA. No código da linguagem diplomática, as declarações representam um veto brasileiro ao plano de Castiglioni. O tom não poderia ser outro, pois o que está em jogo é um pilar da segurança nacional brasileira. Um dos princípios mais antigos da nossa política internacional é a oposição à interferência militar externa na América do Sul. O princípio aplica-se com ênfase especial no caso do Paraguai, cujo território confere profundidade estratégica ao centro-sul e que é sócio na usina de Itaipu, fonte de um quinto da eletricidade consumida no Brasil. Depois da tragédia da Guerra da Tríplice Aliança (1864-70), o Paraguai oscilou entre os pólos concorrentes do Brasil e da Argentina. Durante a ditadura de Alfredo Stroessner, entre 1954 e 1989, o Paraguai foi capturado para a esfera de influência brasileira. A construção da BR-277 e da ponte da Amizade, junto com a concessão de um terminal portuário extraterritorial, deslocou o eixo de comércio exterior paraguaio de Buenos Aires para Paranaguá. Itaipu passou a fornecer 90% da energia elétrica paraguaia, além de rendas significativas oriundas da venda de energia ao Brasil. O Brasil firmou-se como o principal parceiro comercial do Paraguai e hoje é o destino de quase 30% das exportações do país vizinho. A projeção de poder do Brasil no Cone Sul acirrou a rivalidade com a Argentina e deflagrou programas nucleares secretos nos dois países. Mas a lógica do conflito foi revertida nos anos 80 e, com o Mercosul, as potências platinas engajaram-se numa aliança estratégica. Nos termos tácitos dessa aliança, Buenos Aires aceitou a liderança regional brasileira e Brasília comprometeu-se com a cooperação bilateral, renunciando à busca da hegemonia. Sobre esse alicerce, alcançou-se a estabilização geopolítica do Cone Sul. É isso o que está em risco, e por culpa do Brasil. No exato momento da controvérsia paraguaia, o Brasil reapresentou à ONU a sua candidatura ao Conselho de Segurança (CS), num gesto reforçado por discursos de Lula e de Amorim. Desde 2003, o Itamaraty substituiu a posição serena e flexível pela reforma do CS por uma campanha obsessiva, que é rechaçada na América do Sul -sobretudo pela Argentina. As fissuras que essa campanha causa na aliança estratégica reduz a capacidade de resistência brasileira à tentativa de Washington de destruir o Mercosul. A crise paraguaia evidencia que é hora de optar. O Brasil deve escolher entre os seus interesses vitais na América do Sul e o sonho de potência mundial que desviou o rumo de sua política externa.
Tarso Genro mentiu na sabatina da Folha, afirmando que o PT não financia os advogados de Delúbio Soares. Financia sim, agora se sabe.
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