Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 21, 2005

A crise e os fundos de pensão GUILHERME LACERDA

folha de s paulo



A crise atual reacendeu na sociedade brasileira uma desconfiança generalizada acerca da administração dos fundos de pensão, especialmente daqueles ligados a empresas estatais. A deterioração da imagem das entidades fechadas de previdência privada já vem de longe e se deve a dois aspectos principais.
O primeiro é relacionado à sua própria gênese, já que a grande maioria delas surgiu em meados dos anos 1970, associada a acordos corporativos negociados sem maior transparência com os gestores de estatais. O segundo tem a ver com o fato de, na década passada, os fundos terem freqüentado com certa habitualidade as páginas policiais, sob a acusação de usarem indevidamente recursos para viabilizar as privatizações e favorecer interesses específicos, com prejuízos para os participantes e o erário.
Caso exemplar é o da Funcef. Dezenas de investimentos feitos pela fundação no passado são alvo hoje de ações administrativas e judiciais. Ministério Público Federal, Polícia Federal, Comissão de Valores Mobiliários e SPC (Secretaria de Previdência Complementar) têm um rosário de processos que apuram a responsabilidade por esses atos irregulares.
Vale lembrar que a legislação existente até maio de 2001, quando entraram em vigor as leis complementares 108 e 109, facilitava a adoção de práticas pouco recomendáveis. Apenas naquela data, por exemplo, tornou-se obrigatória a administração paritária dos fundos. Assim, por exigência legal, parte dos dirigentes passou a ser eleita pelos participantes, permitindo-lhes maior acesso às decisões tomadas pelas entidades para as quais contribuem.
Hoje, uma avalanche de denúncias de supostas irregularidades põe novamente os fundos ligados a estatais sob suspeita. Ora, raciocinam muitos, se tais entidades movimentam tanto dinheiro e se seus presidentes foram indicados pelo governo, não poderiam ficar de fora dos criativos esquemas ilícitos concebidos para alimentar o chamado "mensalão"...
É preciso enfrentar a questão sem subterfúgios. Se há indícios efetivos de desvio de conduta de dirigentes de algum fundo, é fundamental que os órgãos fiscalizadores entrem em ação e os responsáveis arquem com as conseqüências de seus atos. Se for o caso, que se movam as ações administrativas e judiciais cabíveis, para defesa do patrimônio dos participantes.
Os escândalos em apuração no Congresso Nacional e no Executivo não podem, porém, impor o mesmo carimbo de suspeita sobre os que cometeram ilegalidades e os dirigentes que, no exercício do mandato, têm se empenhado não só em administrar os fundos de pensão com eficácia, lisura e transparência mas também em recuperar perdas anteriores.
Proceder de outro modo significaria desestimular os quadros técnicos competentes e íntegros a aceitar o imenso desafio imposto pela gestão de uma instituição como a Funcef. Também representaria, mais grave ainda, jogar na lama as inúmeras ações que têm sido tomadas para organizar, em bases profissionais e sérias, um sistema fundamental para a formação da poupança nacional de longo prazo.
Lembra-se, com freqüência, de que os fundos de pensão têm um patrimônio global próximo de R$ 300 bilhões. Não se pode dizer que é pouco. Mas, certamente, tal montante está bastante aquém do potencial que o país oferece, o que significa menos recursos mobilizados para investimentos, menor dinamismo econômico, menos geração de empregos e menos brasileiros adequadamente protegidos ao se aposentarem.
Aí, precisamente, residem os maiores riscos de não perceber os ventos da mudança, onde eles já se fazem notar. Ignorá-los pode se constituir em miopia que sairá extremamente cara ao país.


Guilherme Lacerda, 51, presidente da Funcef (Fundação dos Economiários Federais, fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal), é doutor em economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

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