Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 10, 2005

André Petry Deixem Jeson em paz

VEJA

"Jeson virou a Geni de Franca.
Os adversários da eutanásia – religiosos
dogmáticos, em geral – não lhe deram
o direito sequer de pensar em voz alta"

Sou a favor da legalização da eutanásia. É uma louvável alternativa que o homem encontrou para morrer com dignidade, para evitar o suplício das dores vãs. Mesmo assim, mesmo defendendo que a eutanásia seja um direito disciplinado na lei brasileira, eu precisaria ser louco para apontar o dedo, atirar uma pedra ou escrever uma linha que fosse contra a atitude de Rosemara dos Santos Souza, a mãe de Jhéck Breener de Oliveira, que luta para impedir que seu filho seja submetido à eutanásia. O pequeno Jhéck, 4 anos, está num leito de UTI, vítima de uma doença degenerativa irreversível. Já perdeu a fala, a visão, o movimento dos braços e pernas, alimenta-se por meio de sonda e respira com ajuda de aparelhos. A luta de Rosemara merece respeito e, onde quer que ela apareça, assim tem sido. A luta de Jeson de Oliveira, o pai de Jhéck, também deveria ser respeitada. Mas é nesse ponto que a história se complica.

Jeson queria pedir à Justiça que seu filho fosse submetido à eutanásia. Ele não suporta ver o filho preso a uma cama, inerte, morto para a vida, sem andar de bicicleta, tomar um sorvete, apontar para a Lua, desenhar um elefante, bater palmas, sorrir. E o que se fez com esse pobre homem? Não lhe deram uma lasca de respeito. Jeson foi hostilizado, xingado, difamado. Foi acusado de assassino, de querer matar o próprio filho! Jeson pensou até em se mudar de Franca, a cidade paulista onde mora e onde seu filho está internado, porque já não podia caminhar na rua em paz. Ceifaram-lhe o direito de ir à Justiça. Questionaram-lhe até a sanidade mental, sugerindo que procurasse tratamento psiquiátrico – forma maliciosa de sugerir que a eutanásia é coisa de gente mentalmente perturbada. Jeson, afinal, desistiu de tentar a eutanásia do filho. "Desisto oficial e definitivamente. Quero dar chances à mãe e estou entregando meu filho a Deus", disse ele, numa entrevista, na véspera do feriado de 7 de setembro. O pai de Jhéck, claro, tem todo o direito de mudar de idéia (e, pessoalmente, saúdo que tenha conseguido dominar seu sofrimento para ceder à vontade da mãe de Jhéck).

O dado repugnante é a intolerância da qual foi vítima. Jeson virou a Geni de Franca, só faltou ser apedrejado nas ruas. Os adversários da eutanásia – religiosos dogmáticos, em geral – não lhe deram o direito sequer de pensar em voz alta. É coisa própria das mentalidades entrevadas, dos que se sentem ungidos por forças superiores, dos que cevam suas idéias como se fossem bens supremos, perfeitos, inatacáveis. É fruto dessa intolerância, dessa supremacia auto-atribuída, a postura da Igreja Católica de sempre pressionar (na eutanásia, no aborto, no casamento gay, nas pesquisas com células-tronco embrionárias) para que todos os brasileiros, católicos ou não, vivam segundo os preceitos da própria Igreja. É uma espécie de fascismo divinizado.

Aos religiosos dogmáticos e intolerantes em geral, aos que sacralizam suas idéias e acham que sabem tudo da vida e do sofrimento, aqui vai um apelo: deixem Jeson em paz! Ele já sofre o bastante com um filho que perdeu a liberdade de viver para tornar-se um prisioneiro da vida. A eutanásia, caros intolerantes, pode ser, sim, um ato de amor.

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