Quem entende o mínimo sabe que o governo Lula não afundou de vez graças à política econômica, mas a executiva do PT pediu sua mudança, movida ou pelo desejo de aplacar a decepção da esquerda do partido diante dos escândalos ou por estupidez. A Força Sindical aumentou os decibéis da crítica à política econômica. Conhecido político reconheceu que a preservação dessa política é o que salva Lula até aqui, mas disse que ela está errada. Não é incrível?
A política econômica não está livre de críticas, mas o que se deseja é uma guinada. Um apanhado das críticas mostra que as demandas se concentram em três medidas para "desenvolver" o Brasil: (1) queda rápida da taxa de juros (Selic), (2) desvalorização forte do real, inclusive com controle de capitais, e (3) redução ou eliminação do superávit primário.
Por que Lula, na maior crise política da sua vida, não segue esses conselhos e busca assim recuperar a popularidade perdida? Por que não ouve a voz de seus companheiros de partido e de velhos amigos do sindicalismo? Por que não aproveitou a irresponsabilidade do Senado para apoiar o salário mínimo de R$ 384,29, que agradou o presidente da CUT e faria felizes muitos aposentados e boa parcela dos trabalhadores? Lula não muda a política econômica por muitas razões, mas duas estão na origem de sua resistência às pressões.
Primeira, o Brasil mudou. Segunda, ele percebeu a mudança e aprendeu que o abandono dessa política enterraria de vez as chances de reeleger-se. Pior, poderia pespegar em sua bela biografia o carimbo definitivo de incompetente.
No Brasil, acredita-se que o desenvolvimento é uma mera questão de vontade política. Parece imperar a crença de que o desenvolvimento é um empreendimento simples, que acontece com um estalar de dedos. Na verdade, o desenvolvimento resulta de vários fatores, alguns dos quais exigem tempo para construir, e, não raramente, de muita sorte. Depende da criação de ambiente favorável ao investimento, da estabilidade e previsibilidade das regras, e de uma microeconomia que reduza custos de transação e assegure ganhos permanentes de produtividade.
A política econômica é um ingrediente fundamental do desenvolvimento, mas aqui se imagina que ela é a própria causa. Trata-se de uma questão de fé e não da defesa de uma tese com sólidos argumentos, sem necessidade de submissão ao teste de suas hipóteses. E se a inflação voltar? Tudo bem, diz-se, mas precisamos crescer, o que é mais importante do que o cuidado com a inflação.
Estudos da cientista política Leslie Armijo permitem entender essa cultura. Entre os anos 1950 e 1980, muitas vezes se preferiu o crescimento a qualquer custo. Os grupos que se beneficiavam dessa política e apoiavam politicamente o governo não sofriam os efeitos da inflação. Eram constituídos da indústria protegida e seus trabalhadores, da agricultura subsidiada via crédito, e dos funcionários públicos e das empresas estatais. Os pobres pagavam a conta da inflação.
Nos anos 1950, apenas 35% dos adultos votavam. Os outros 65% eram os analfabetos, ou seja, os pobres. Nas eleições de 1989, mais de 80% foram às urnas. Viramos uma democracia de massas. Aumentou substancialmente a proporção dos pobres no eleitorado. E o pobre aprendeu a detestar a inflação. Agora, medidas voluntaristas para crescer são rapidamente detectadas pelos mercados, geram crises de confiança, produzem inflação levam os pobres a votar na oposição. Há, pois, incentivos para a gestão macroeconômica responsável.
Lula tem demonstrado que percebe essa dinâmica, ajudado certamente pelo ministro Palocci. Os mercados incorporaram tal postura como definitiva. Isso implica a percepção de baixo risco de mudança da política econômica e de posterior violação de direitos de propriedade e de contratos, que é onde deságuam ações governamentais insustentáveis.
Essa realidade deriva do desenvolvimento institucional, que ainda não está consolidado. Se for tomado de uma crise de insensatez, Lula pode mudar a política econômica, mas essa não é a hipótese mais provável. O Brasil mudou.
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