Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 20, 2005

Palocci na linha de tiro

VEJA
Palocci na linha de tiro

Grampos telefônicos revelam que Rogério
Buratti, o ex-secretário que acusou Palocci
de receber propina de empresas de lixo, fazia
lobby no gabinete do ministro da fazenda:
sabia quem se reunia com o ministro e
marcava encontros para empresários


Marcio Aith


Mauricio Lima/AFP



O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, caiu no olho do furacão da crise política que ameaça a Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva. Num depoimento à polícia e ao Ministério Público de São Paulo, o advogado Rogério Buratti, ex-secretário de Governo da primeira gestão de Palocci como prefeito de Ribeirão Preto (1993-1996), acusou-o de receber um mensalão de 50 000 reais de uma máfia de empresas que fraudavam licitações públicas de coleta de lixo em prefeituras de São Paulo e Minas Gerais. Os fatos relatados por Buratti referem-se a eventos que precedem a chegada do PT ao governo federal. Mas VEJA teve acesso a documentos, e-mails e grampos telefônicos, colhidos pela Justiça em quase dois anos de investigação, que contêm indícios graves do envolvimento de Palocci, já ministro, com Buratti e sua turma.

As gravações legais, quase todas feitas pela interceptação de conversas de Buratti com empresários, mostram que o ex-assessor oferecia encontros com o ministro. Muitos deles, efetivamente, ocorreram. As conversas dão conta ainda de que integrantes da Máfia do Lixo resolviam seus problemas usando a própria estrutura do Ministério da Fazenda. Há mais. Em um e-mail, Juscelino Dourado, atual chefe-de-gabinete de Palocci, pede, em nome do "chefe", ajuda de Buratti para comprar um aparelho de espionagem telefônica. O conjunto de provas colhidas pela polícia e pelo Ministério Público é tão poderoso que os promotores do caso já decidiram enviá-las ao Supremo Tribunal Federal, instância do Judiciário responsável pela investigação e pelo julgamento de ministros.

Quase todos os grampos envolvem o próprio Buratti, preso na quarta-feira passada por tentar destruir provas das investigações. Em um deles, um empresário de Ribeirão Preto, ainda não identificado pelo Ministério Público, pede a interferência de Buratti para resolver um problema na Receita Federal. Como sua empresa não estaria conseguindo obter uma certidão negativa de débito, necessária para participar de uma licitação em Ribeirão Preto, o empresário solicita ao ex-assessor de Palocci que interceda junto ao órgão e à Procuradoria-Geral da Fazenda para que o documento saia. "Estamos com um problema aqui na Receita Federal. Será que você conseguiria alguém para dar uma fonada aqui?", pergunta o empresário. "Sei, qual é a urgência? É que eu não tenho como falar com ele hoje", responde Buratti.


Celio Messias/AE
O PRÊMIO DA DELAÇÃO
Após implodir o governo com novas denúncias, Rogério Buratti foi libertado em Ribeirão Preto

Ao delegado e aos promotores que o ouviram na semana passada, Buratti reconheceu que as expressões "ele", "mestre" e "chefe", utilizadas nas conversas grampeadas pela polícia, se referem ao ministro Palocci. Em outros diálogos interceptados, Buratti demonstra conhecer a agenda do ministro e organiza estratégias para encontrar-se ou comunicar-se com ele sem chamar atenção. Em um desses diálogos, datado de 26 de julho de 2004, Buratti conversa com um funcionário da Leão&Leão, uma empresa sediada em Ribeirão Preto, especializada em prestar serviços de construção e limpeza pública. A Leão&Leão, que já foi presidida por Buratti, é acusada de liderar a quadrilha do lixo que fraudou licitações em várias cidades de São Paulo e Minas Gerais. "Sobre o negócio de Brasília, eu conversei com ele. E ele vai estar em Ribeirão amanhã", disse Buratti ao funcionário. No dia seguinte, efetivamente Palocci participou de um seminário na cidade. Não foi a primeira vez que Buratti se viu flagrado usando sua proximidade com Palocci para obter ou oferecer vantagens. Também no ano passado, ele foi surpreendido oferecendo a Edson Menezes, presidente do Banco Prosper e da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, um encontro com Palocci. O diálogo, transcrito pelo jornal Folha de S.Paulo, ocorreu em 3 de julho de 2004. Menezes foi recebido no gabinete do ministro da Fazenda três meses depois.

Somados ao depoimento de Buratti, os grampos compõem um conjunto de indícios que fere profundamente a imagem de Palocci, fiador da estabilidade e referência internacional da eficiência da política econômica brasileira. Após ser preso, Buratti aceitou um acordo de delação premiada, que prevê redução de pena caso seja condenado e suas declarações sirvam às investigações. Suas informações, embora não devam ser tomadas como condenação, são pistas claras de malfeitorias envolvendo o ministro. "As declarações de Buratti são consistentes com as provas documentais que já obtivemos", diz o delegado Antônio Valencise, da seccional de Ribeirão Preto.


Sergio Lima/Folha Imagem
O CHEFÃO
Dirceu chefiava Waldomiro e controlava Delúbio, gestor do esquema petista de arrecadação
Celso Junior/AE
O CAIXA
Delúbio Soares montava o caixa dois com os recursos que eram arrecadados ilegalmente pelas prefeituras dominadas pelo PT
Dida Sampaio/AE
O OPERADOR
Waldomiro Diniz intermediava os contatos entre o PT e os donos de bingos. Operou no governo Lula para legalizar o jogo no Brasil

O suposto pagamento de um mensalão de 50.000 reais ao então prefeito Palocci, entre 2000 e 2002, teria sido recebido por Ralf Barquete, na ocasião secretário de Finanças de Ribeirão Preto. Este, por sua vez, "com a autorização de Palocci", segundo Buratti, repassava o dinheiro a Delúbio Soares, tesoureiro do PT. Barquete morreu em julho de 2003, vítima de câncer, depois de ocupar o cargo de consultor da presidência da Caixa Econômica Federal. De acordo com Buratti, o vice de Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto herdou o esquema quando o titular assumiu o Ministério da Fazenda, em 2003. Buratti não se limitou a falar sobre a Máfia do Lixo. Protagonista de outro escândalo – o de Waldomiro Diniz –, ele também diz que os donos de casas de bingo fizeram contribuições ilegais à campanha presidencial de Lula, em 2002. Segundo ele, dois grandes grupos da área de jogos – um do Rio, outro de São Paulo – fizeram doações de vulto ao candidato do PT à Presidência. Buratti não soube, ou não quis dizer, os nomes dos empresários que as efetuaram. Mas revelou que o valor da contribuição do grupo paulista foi de 1 milhão de reais. O responsável pela coleta em São Paulo teria sido (novamente) Barquete. Vale lembrar que Palocci foi o coordenador da campanha de Lula após a morte do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel. De acordo com Buratti, o dinheiro dos bingos foi entregue ao comitê financeiro da campanha de Lula, na sede nacional do PT, em São Paulo.

O interesse dos empresários do ramo de jogos seria a aprovação, caso Lula fosse eleito, da "regulamentação" do bingo no Brasil. Os bingos começaram a funcionar no país em 1993, amparados pela Lei Zico. Em 2001, uma lei de autoria do senador Maguito Vilela revogou a legislação e os colocou na clandestinidade. Até hoje, esses estabelecimentos atuam longe dos olhos da Receita Federal. Em alguns estados, como o Paraná, a prática continua proibida. Em outros, o poder público é mais condescendente e faz vista grossa. No início de 2004, às vésperas do escândalo envolvendo Waldomiro Diniz, assessor parlamentar do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, o governo tinha pronta uma medida provisória regulamentando o jogo. A eclosão das denúncias contra Waldomiro fez o presidente Lula arquivar a idéia.


Helvio Romero/AE
A PREFEITA E O LIXO
Marta Suplicy e seu secretário Valdemir Garreta, em São Paulo: lixo era com eles mesmos

Palocci estava no Rio quando as primeiras informações sobre o depoimento de Buratti foram divulgadas. Num primeiro momento, tentou mobilizar seus colegas de governo para brecar a divulgação. Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça, fez um apelo, por telefone, à Procuradoria de Justiça de São Paulo. Pediu que a divulgação fosse suspensa porque os poucos dados vazados já haviam estremecido os mercados. Seu apelo foi rejeitado. Mais tarde, Palocci divulgou uma nota sobre o assunto. Negou ter recebido o mensalão quando exercia o cargo de prefeito de Ribeirão Preto e que seu então assessor Ralf Barquete recebesse recursos para ser repassados ao Diretório Nacional do PT. O ministro também criticou a forma como foram divulgadas as declarações dadas por Buratti. Os promotores paulistas responderam ao ministro. Disseram, também em nota, que o inquérito não está sob segredo de Justiça e que, num regime democrático, o público deve ter acesso a investigações como essa. Não foi o primeiro confronto entre Palocci e os investigadores da Máfia do Lixo. Há alguns meses, já preocupado com o teor das investigações, o ministro e Juscelino Dourado, seu chefe-de-gabinete, pediram um encontro informal com a cúpula da Procuradoria de Justiça paulista para saber se as investigações os atingiam. Eles se reuniram na Base Aérea de Cumbica, em São Paulo, com um procurador e um promotor. Palocci e Dourado ouviram que, embora houvesse indícios generalizados de crime, eles não eram suficientes para comprometer o ministro e o assessor. Os investigadores, no entanto, disseram a eles que um documento chamava atenção: um e-mail no qual Dourado, em nome do "chefe", pede a Buratti que compre um aparelho para grampear telefones celulares. Na sexta-feira, depois do depoimento de Buratti, a Procuradoria mudou de idéia quanto ao envolvimento de Palocci. Vai encaminhar ao Supremo Tribunal Federal a parte do inquérito que julga comprometer o ministro.

Assessor parlamentar de José Dirceu e de João Paulo Cunha nos anos 80, Buratti tornou-se secretário de Governo na primeira gestão de Palocci na prefeitura de Ribeirão Preto (1993-1996). Em 1994, foi demitido após ser flagrado em uma gravação pedindo propina a um empresário. Buratti, então, passou a trabalhar, primeiro como consultor, depois como presidente, no grupo Leão&Leão, a principal empresa envolvida na quadrilha do lixo. Ele saiu da firma em 2004, mas continuou prestando a ela (e à quadrilha) relevantes serviços. Em seu depoimento, Buratti detalhou a rede de favorecimento a prefeitos de cidades do interior comandada pela Leão& Leão. "Quando a empresa se sagrava vencedora, combinava-se com o prefeito, anteriormente, uma forma de contribuição financeira, que poderia significar entre 5% e 15% do valor do contrato firmado", disse Buratti. Cabia aos prefeitos conseguir junto a determinadas empresas o fornecimento de notas fiscais frias para que a Leão&Leão lançasse na sua contabilidade o pagamento da propina. Palocci é apenas um dos prefeitos apontados por Buratti como participantes do esquema. Havia pelo menos outros sete.

O depoimento joga luz sobre um dos mais escandalosos esquemas de fraude em licitações públicas no Brasil: o da Máfia do Lixo na prefeitura de São Paulo. Buratti já era investigado desde o ano passado pelo Ministério Público estadual, que suspeitava da participação do advogado nessa operação. Foi possível desvendar uma rede armada para fraudar a concorrência, que previa contratos de coleta de lixo no valor de 10 bilhões de reais por um prazo de vinte anos. Segundo o Ministério Público, uma das pessoas com participação decisiva nos contratos era Valdemir Garreta, então secretário de Abastecimento e Projetos Especiais da prefeitura, na gestão de Marta Suplicy – também mencionado nos diálogos captados por escuta telefônica. Buratti, no depoimento, disse que, em relação à cidade de São Paulo, "no tocante a licitações de concessão de lixo (...) havia um acordo no mercado entre as grandes empresas". Por esse acordo, não haveria "contribuição" (leia-se pagamento de propina mensal) para a prefeitura, mas "as empresas sempre colaboravam nas eleições" – ou seja, pagavam de uma só vez.

Por que Buratti resolveu entregar todo o esquema? Segundo o promotor Sebastião Sérgio da Silveira, foi a exposição na mídia que o fez tomar essa decisão. "Ele disse que não admitia ser mostrado pela imprensa como o único bandido da história, e reclamou que se sentia isolado, abandonado pelos parceiros." O fato é que suas revelações foram consideradas extremamente esclarecedoras. A ligação entre Buratti e Palocci já havia sido reforçada no início da semana passada, quando foi revelado que o advogado ligou diversas vezes de sua casa em Ribeirão Preto para a residência do ministro em Brasília. Palocci afirma que as mulheres de ambos são amigas, o que explicaria os telefonemas.

Desde o início da Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Antonio Palocci projetou a imagem de uma fortaleza inexpugnável de sobriedade num mar de ineficiência e insensatez. Ex-militante da Libelu (Liberdade e Luta), movimento radical de tendência trotskista, despiu-se, à frente da economia, do esquerdismo infantil de seus colegas. Converteu-se num defensor do equilíbrio fiscal e do controle rigoroso da inflação. Ao reciclar-se ideologicamente, reconquistou a confiança dos mercados no primeiro ano de governo petista e, nos últimos meses, impediu que o escândalo político contaminasse a economia. Na semana passada, os ventos viraram contra a direção de Palocci.

Senadores da oposição acham que o ministro terá de dar nesta semana explicações convincentes de sua inocência. "Isso já é assunto em Wall Street e na City londrina. A solução tem de ser rápida, sob pena de contaminar a economia", diz o senador Arthur Virgílio, líder do PSDB. O ministro deve ser convocado para depor em uma das CPIs se não convencer os senadores. Já há um requerimento nesse sentido na CPI dos Bingos, onde a animosidade contra o governo é maior. A maioria dos líderes acredita que Palocci dificilmente conseguirá manter-se no cargo sem passar pelo constrangimento de um depoimento em CPI. Diz o senador José Agripino Maia, líder do PFL: "Criou-se um clima de que, se ele cair, a economia vai pelo ralo, mas não é verdade. Os fundamentos estão bons e os agentes econômicos estão maduros o suficiente para segurar o tranco".

Com reportagem de Fábio Portela e Victor Martino

 

POR QUE A ECONOMIA PODE RESISTIR

Lucila Soares


José Patricio/Reuters
OPERADORES DA BM&F
Em São Paulo, na sexta-feira: o mercado ficou nervoso, mas não entrou em pânico


No mercado financeiro, o depoimento de Rogério Buratti provocou uma das maiores comoções desde o início da crise do governo Lula. Na sexta-feira, o dólar chegou a subir 4% e a bolsa, no momento mais tenso do dia, caiu mais de 2,5%. A razão óbvia para essa reação é que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tem sido, desde o início do governo Lula, o grande fiador da política econômica. Vê-lo envolvido no escândalo de corrupção que assombra o país há três meses alimenta o pesadelo de que a crise, até o momento circunscrita à política, contamine a economia. Mesmo assim, a turbulência de sexta-feira ficou muito longe do último terremoto financeiro que abalou o país, em 2002. No segundo semestre daquele ano, a insegurança em relação ao resultado da eleição presidencial catapultou o dólar a quase 4 reais e o risco Brasil ultrapassou a barreira dos 2 000 pontos. Na semana passada, o dólar fechou em 2,45 reais (alta de 2,9%, a maior desde maio de 2004) e o risco Brasil, com elevação de 2,7%, fechou em 419 pontos.

Há vários fatores que separam a realidade de hoje da extrema insegurança de três anos atrás -- e, em seu conjunto, eles indicam que a economia brasileira poderá resistir sem maiores estragos a uma eventual queda de Palocci. O Brasil teve uma virada espetacular nas contas externas, o que o deixa protegido contra crises mundiais. A relação entre dívida externa líquida e exportações, que era de 2,7 em 2002, está abaixo de 1,5. Também a proporção entre a dívida pública e o PIB, que ultrapassou 60% em 2002, recuou e deve fechar o ano em torno de 52% do PIB. Trocando em miúdos, isso significa que o país melhorou sua capacidade de honrar seus compromissos. "É isso que, no fim das contas, dá confiança ao investidor estrangeiro", resume o sócio-diretor da GAP Asset Management, Emanuel Pereira da Silva. Além disso, a soma das importações com as exportações está atingindo 30% do PIB. Isso quer dizer que o grau de abertura da economia brasileira é de tal ordem que torna extremamente difícil uma guinada nos seus rumos.

Também é preciso considerar que a extrema liquidez internacional faz com que os investidores estrangeiros fiquem menos assustadiços com os solavancos internos do Brasil. Por último, deve-se levar em conta que a sociedade brasileira, que elegeu Lula com 53 milhões de votos sob a condição de que ele renunciasse às tentações da esquerda populista, já não permite que aventureiros arruínem a estabilidade duramente conquistada com o Plano Real. Não há, portanto, razão para pânico.


A GÊNESE DO MENSALÃO
Em depoimento ao MP (veja trecho acima), Buratti diz que a propina de 50 000 reais foi paga todo mês ao PT durante dois anos. Ou seja, a cifra total poderia atingir 1,2 milhão de reais. A quantia saía de Ribeirão Preto e tinha como destino o Diretório Nacional do partido. Leia-se: o ex-tesoureiro Delúbio Soares


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