Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 20, 2005

Miriam Leitão :Muro frágil

O GLOBO

O que o mercado mais temia, ele vislumbrou ontem: alguma denúncia se aproximar do ministro Antonio Palocci. O ministro negou qualquer envolvimento, mas a forma instantânea como o mercado reagiu, diante da primeira informação, mostra a fragilidade dessa separação entre economia e política. O mercado criou para si uma ilusão: de que tudo estaria bem desde que o ministro da Fazenda permanecesse longe de toda a confusão.
Não existe abrigo antiaéreo no meio de um bombardeio desses. As opções de política econômica adotadas e simbolizadas pelo ministro Antonio Palocci nunca foram unanimidade; nem de longe. Gente que não concorda em nada se põe de acordo na hora de criticar a política econômica, como se viu esta semana na hora da nota da executiva do PT com o pedido de desculpas ou nas passeatas contra e a favor do governo.


Diante de tantos adversários dentro do próprio governo, Palocci passou a ser considerado uma espécie de homem-fundamento; o único fiador da política. Enquanto nada o atingisse, o país sairia ileso da crise.

Mas o mercado é capaz de ir de um extremo ao outro em instantes. Ontem, logo depois da veiculação da primeira informação sobre o que Buratti havia dito no depoimento, já estava aberta a temporada de especulação sobre quem substituiria Palocci. Murilo Portugal encabeçava a lista, Marcos Lisboa o seguia. Evidentemente, o conjunto de qualidades representadas por Palocci é difícil de encontrar, e ele não é peça para ser simplesmente trocada. Além disso, é difícil pensar que algum dos dois nomes — ou algum outro — teria o acesso ao presidente que tem o ministro Palocci. Seriam estranhos num ninho em conflito. Há ainda outro ponto: sem o ministro Palocci, o governo ficaria incrivelmente menor. E o governo Lula já perdeu tamanho, capacidade de iniciativa e agilidade. Difícil saber o que restaria dele se Palocci fosse embora.

Tudo é mais complexo do que isso. O episódio de ontem mostra que nada está tão ruim que não possa piorar. A denúncia em si exige muitas reservas: um preso que precisa de moeda de troca para barganhar uma pena menor diz ter ouvido de uma pessoa, já morta, informação sobre fatos, sem provas, contra o atual ministro da Fazenda. E imediatamente isso é tratado como a expressão da verdade pelo promotor que cuida do caso e que resolve dar a ele a mais ampla divulgação. Apesar de todas essas fragilidades, o mercado imediatamente piora, sobe dólar, cai bolsa, sobem juros futuros, sobe risco-Brasil, desvaloriza-se a dívida brasileira.

O episódio mostra que o mercado está pronto para acreditar instantaneamente em qualquer outra má notícia. Revela que a tranqüilidade das cotações, que vinham tendo apenas breves oscilações, é só aparente. A tese de que a economia poderia continuar incólume no meio desta tempestade é tão consistente quanto a de que a orquestra do Titanic se salvaria pela qualidade da sua música.

Não existe a possibilidade de um governo naufragar — e este está naufragando — preservando intactas algumas partes dele. O excesso de liquidez internacional mascara um pouco os sintomas na economia da crise política. E fortalece a idéia de que haveria uma blindagem possível.

De fato, o país está hoje melhor do que já esteve em qualquer crise recente, de qualquer natureza, que atingiu o país. Esta semana, houve novas boas notícias. O superávit em transações correntes do mês de julho, divulgado na quinta-feira, foi maior do que todas as previsões: US$ 2,5 bilhões. A maior parte do resultado é explicada pela balança comercial, a outra parte pela entrada de investimento direto, que registrou US$ 2 bilhões; a expectativa é de que mais US$ 1,8 bilhão entre em agosto. Investimento direto é de longo prazo, de empresas que entraram no Brasil há várias crises atrás com os olhos no longo prazo e nas chances permanentes. Estes investimentos atenuam os efeitos rigorosos da crise política, mas não salvam o país de nada. A única solução possível virá do enfrentamento da crise política em si.

O governo está um pouco mais articulado, com um gabinete de crise se reunindo diariamente, formulando respostas. Não tem feito muita diferença mas, pelo menos, é o começo da reconstrução de um núcleo pensante. O presidente continua com sua estratégia de fazer campanha eleitoral para garantir o próximo mandato enquanto não se sabe nem se terminará o atual. É um fator perturbador, em vez de ser o comandante que conduz o navio ao porto. Definitivamente, o presidente Lula não sabe enfrentar crises.

No mercado, o primeiro movimento ontem foi de susto. Após a notícia, o risco-país subiu imediatamente para 421, a bolsa chegou a cair 3,4% e o dólar subiu 3,6%. Depois da nota do Ministério da Fazenda negando "com veemência" as acusações, a situação melhorou um pouquinho, mas os bancos trataram de zerar posição para esperar o noticiário do fim de semana. A idéia de um operador é que "no meio de um vendaval, é melhor ficar quieto". Outro garante que tem a sensação de que está lidando "com o imponderável". Com esses nervos à flor da pele, esperam pela semana que vem. Infelizmente, a crise ainda está longe de acabar; e ontem o país vislumbrou a fragilidade do muro entre política e economia.


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