Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 22, 2005

Melhor que seja mentira Carlos Alberto Sardenberg

o estado de s paulo

 

Vamos supor que aconteça o pior e o ministro Antonio Palocci seja abatido pelas denúncias. O futuro da política econômica cai, então, exclusivamente nas mãos do presidente Lula, dono que é da escolha do sucessor. Está aí um risco não desprezível. Primeiro, porque o presidente não dispõe de um Palocci-2 para substituição imediata. E, depois, porque a vacância na Fazenda abrirá o campo para as pressões da esquerda por mudanças na política econômica.

Parece óbvio que o sucessor natural de Palocci seja o seu atual secretário-executivo, Murilo Portugal. Mas não seria a mesma coisa. A autoridade de Palocci no governo e no PT vem de sua longa e bem-sucedida militância no partido. Essa história é que lhe dá força moral para aplicar e defender uma política que boa parte de seus companheiros considera neoliberal.

Portugal é um extraordinário quadro. Mas é um estranho no ninho do PT e, assim, não terá autoridade política sobre o partido e seu governo. Hoje, a política econômica é sustentada por dois pilares, o ministro Palocci, que tem peso específico, e o presidente Lula. Sem Palocci é como se Lula perdesse seu principal aliado na economia. Haveria alguma liderança petista em condições de assumir a Fazenda para manter a atual política? O nome óbvio é o do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, deputado federal pelo PT do Paraná, também um quadro de longa militância. Mas ele ainda terá de construir sua autoridade como comandante da área econômica – e isso em meio a pressões mais fortes.

Essas pressões já estão na praça, são sustentadas por nomes importantes, como o do próprio presidente interino do PT, Tarso Genro. Visam dois pontos: a redução rápida dos juros (numa contestação ao Banco Central) e a redução do superávit primário nas contas públicas, a economia que o governo faz nas despesas correntes e de investimento para pagar a conta de juros e reduzir o endividamento.

Para ilustrar: a atual meta de superávit, fixada pelo próprio governo, é de 4,25% do produto interno bruto (PIB), mas a equipe econômica (a do ministro Palocci) gostaria de elevá-la para 5%, resultado, aliás, que a Fazenda já vem obtendo na prática. Esta é a capacidade de ação de Palocci: num momento em que boa parte de seus companheiros pede a redução do superávit, de modo a aumentar o gasto público, ele simplesmente aplica e propõe mais aperto nas contas. Pode até ser que perca essa briga, mas também parece impossível que deixe passar uma redução do superávit. Aliás, o ministro Paulo Bernardo disse na semana passada que no esboço do orçamento para 2006 consta um primário de 4,25%.

Na verdade, antes das denúncias envolvendo Palocci, o movimento da semana passada caminhava na direção da sustentação da política econômica. Em reunião com o Bloco Parlamentar da Esquerda do PT, o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, havia dito, com todas as letras, que não se via no horizonte do governo alguma possibilidade de mudança na política fiscal, isto é, no superávit primário. Também comentou que todos querem juros baixos, mas que, para obtê-los, "não há nenhuma manobra a ser feita a não ser uma seqüência do que a gente vem fazendo". Traduzindo: trata-se de aguardar que o Banco Central, considerando controlada a inflação, inicie o moderado processo de redução da taxa básica de juros – aliás, mantida na semana passada.

Mais importante até que essa reafirmação dos dois pontos mais contestados da política econômica foi a aceitação, digamos assim, da esquerda petista e não-petista. Não que tenha concordado, mas parece que admitiu a dificuldade do presidente de mudar de rumo neste momento. Melhor dizendo: para a esquerda, neste momento, tornou-se mais importante, prioridade máxima, a defesa do mandato de Lula, conforme disse o presidente do PCdoB, Renato Rabelo.

Crítico da política de Palocci há tempos, o dirigente ressalvou que essa objeção não constitui motivo para ruptura ou para o abandono do governo Lula. É exatamente o comportamento da esquerda: saiu em manifestação contra a corrupção (dos outros), por mudanças na economia e em defesa de Lula. Mas este último item é o que, de fato, importa, mesmo porque a eventual queda do presidente não daria origem a um governo mais à esquerda. Ao contrário. Assim, para a esquerda, no momento, é melhor ter Lula com política neoliberal do que a mesma política sem Lula.

Também na semana passada o presidente se reuniu com líderes do partidos aliados de esquerda. Estes, é claro, reclamaram da política econômica. Resposta do presidente: marcar uma reunião com Palocci para que este mostrasse números da economia e abrisse uma conversa. E o ministro, sem dúvida, fala com esse pessoal de companheiro para companheiro.

Eis aí por que a denúncia envolvendo Palocci é grave. Eis por que a oposição entrou no assunto cheia de dedos – não quer ajudar a desestabilizar nada. Todos sabem que a eventual saída do ministro abre uma guerra em torno da direção econômica e de um arranjo institucional tão penosamente construído.

Tudo considerado, parece sensato imaginar que Lula não será insensato para abrir mão de um ativo forte, justamente a estabilidade econômica, tão sólida que vinha passando batida pela crise política. Mais que isso, seria abrir mão também da perspectiva de retomada do crescimento a partir do iminente início da queda dos juros. Pelo roteiro da equipe econômica – o roteiro Palocci –, com o extraordinário resultado das contas externas, mais o ajuste firme das contas públicas e a liquidação do surto inflacionário, o País está perto de entrar num longo período de crescimento com estabilidade. Tudo o que se passou até aqui, sobretudo os juros absurdamente altos, seria o preço a pagar. E, pago o preço, mudar agora, na hora de colher resultados?

Ocorre que esses resultados ainda não apareceram e pode ser que as denúncias avancem a ponto de deixar Lula sob intensa pressão – e com a tentação de dar uma guinada populista. Nesse momento, sem Palocci, o risco seria muito maior.

Resumo, antecipado, da ópera: melhor que as denúncias de Rogério Buratti não possam ser provadas. Melhor ainda, que sejam mentirosas.

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